TALVEZ EU NUNCA SAIBA QUE ELE MORREU
Eduardo Prearo
 
 
Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.

Declaração Universal dos Direitos Humanos

O vulgo parece contente em fazer comentários triviais. Morin se acha vulgar. Ele é fumante e odeia o cigarro, ele é brasileiro e odeia ser brasileiro. Como as pessoas podem gostar de serem brasileiras? O homem é livre para mudar de país, mas e o dinheiro para sair deste poço? Liga o televisor e percebe que grande parte dos comerciais são sobre automóveis: é a tv aberta que no fim se torna tv para elite. Não, ele jamais terá um carro, ainda mais um desses de hoje em dia, que mais se assemelham à gigantescos carrinhos de plástico do que a carros mesmo, como os antigos, os do século passado. Eu disse a Morin que escreveria algo sobre a pessoa dele para colocar no site Anjos de Prata, e ele pareceu não ter gostado da idéia. Disse para eu juntar um dinheirinho e ir registrando tudo o que escrevo na Biblioteca Nacional e também no ISBN. Independente disso, eu jamais consegui juntar dinheiro em razão de ter, como dizem, alergia ao trabalho e ser perdulário. Bom, voltemos a Morin. Ele sonha em trabalhar em cruzeiros marítimos, mas não tem mais idade para tal. Está mesmo fadado a viver em quartinhos no arrabalde, perseguido por matadores, polícia e pelo populacho desconhecido e sempre inocente. Se o enviassem para a Europa, em uma leva certamente que de milhares de pessoas, é óbvio que o enviariam para Portugal, pois seu inglês, bem mais do que seu português, está falecido. Morin me disse certa vez que sou prova de que uma pessoa sem cultura pode escrever um livro, pode ser escritora. Perguntou-me por que não há revisão no site Anjos de Prata, e eu lhe falei que não sabia, que talvez não houvesse para que os que lessem os textos pudessem rir um pouco ou então chorar amargamente. Nos encontramos em um lindo parque paulistano no domingo passado; ele veio a pé do corticinho onde mora. Sentados, olhando um para a cara do outro, palramos...

- Morin, você crê que pegar assim na mão de outro homem seja homossexualismo?

- Em certas culturas não, mas no Brasil, meu caro...

- Então por que permite que eu lhe segure a mão?

- Meu amigo ou meu melhor inimigo, você tem de sofrer muito nesta vida para ter alguma coisa e também para ter algum conteúdo. Eu optei pela pobreza. Não que eu seja religioso a tal ponto. Eu optei por optar, não me faltaram oportunidades. Na anti-Terra as pessoas são mais esquisitas! Eu vim de lá.

- Por favor, solte minha mão, vem vindo um polícia.

- Meu amigo, você é que está me preando.

Não passa nada de interessante na tv e dizem que a tv brasileira é uma das melhores do mundo. Imagine então lá em cima, pondera Morin. Desliga o televisor e descobre que lá fora há uma sinfonia de gatos no cio. Amanhã é dia de branco e o domingo foi uma porcaria: Morin não conseguiu levantar-se da cama. Resolve sair e se depara com alguns sudaneses que querem conversar em inglês. Parecem evangélicos, pois só falam em Day of Judgement.

- How do you do?

- How do you do? My name is Morin and you should know i hate being brazilian and i hate smoking cigarettes.

- Then stop smoking, gritou um sudanês.

Morin descarta os estrangeiros e some pelas ruas escuras. Alguém, de repente, assassina-o com um punhal afiadíssimo. Quando eu souber desse fato vou procurá-lo em tudo quanto é canto, mas ainda não sei, meu escrever é inconsciente, não me parece lúcido. Talvez eu nunca saiba que ele morreu...