PENSANTE CONFESSA
Leila de Barros
 
 

Confesso que tenho vivido menos que sonhado. Esboço rascunhos de planos e esses traços arquitetônicos ficam delineados na prancheta viva, sobre a qual me debruço diariamente. Eles vagueiam nas noites transpiradas por jasmins-estrela e escutam música cigana ao longe.

- Declaro que desejo dançar sem sandálias.

Caminho distraída, deixando os planos caírem propositalmente, para ir marcando meu território, mas pela manhã os pássaros incautos os devoram como alpiste fresco. Faço esboços nas paredes e eles escorrem como tintas, formando novos desenhos e garatujas que insisto em não manter.

Confesso que tenho observado os poentes, não acordo cedo para ver a aurora, mas vejo a geometria calmante que se forma em minhas janelas, como um útero precioso que me abriga de emoções cortantes.

Espreito a lua sedutora, entre cortinas de seda e fogos de artifícios. Assisto sem cansar, a rotina do sobe e desce das ondas que brindam lambendo a areia brilhante.

Os pirilampos espreitam meus planos e fogem com eles, e eu recomeço novos rabiscos.

Leio e converso com Dalai Lama em minhas filosofias sobre a intolerância. Tenho tolerado mais, olhado menos através das superfícies refletoras, nos fragmentos dos espelhos que formam mosaicos de mim.

Confesso que tenho dançado menos, me estirado menos, refletido demais. Tenho pago tributos pesados enquanto aguardo na sala de espera de uma mudança mágica que sempre está por vir.

Queria me ver exposta em alguma vitrine, para poder olhar de fora e sem a aflição de mergulhar nesse Grand Canyon que tem sido o meu espaço de pensar.

Desejo andar nas feiras livres, acertar o passo, comprar temperos e condimentos e enfeitar os pratos com cravos da índia. Quero borrifar curry em minha alma de porta-bandeira.

Anseio por novos brindes e a sensação de pódio.

Guardo emoções para serem recicladas.

Declaro que sou contra qualquer contravenção e sou ecológica e politicamente correta.

Apesar do frio e da garoa mística, decido sair para comprar um bilhete da borboleta. Gosto do número treze, não obstante seu estigma infundado.

Elaboro novos planos e me deixo seduzir por um sorvete de pistache...

 
 
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