CONVERSANDO COM PAPAI
Maria Luísa Rocha
 
 

Papai nasceu em 1909, em terras longínqüas e férteis, descendendo de índios guaranis, para sua tristeza ignorante e nosso honesto e moderno orgulho. Batizaram-no com o nome de um chá, mas não me perguntem qual é pois não vou dizê-lo, por respeito a sua aversão que hoje compreendo perfeitamente.

Durante toda sua extensa vida, compartilhei suas opiniões firmes, inabaláveis mesmo, como seu sobrenome Rocha. Foi um homem que se pautou na tentativa de se equilibrar nos conceitos filosóficos, religiosos e morais. Políticos, nem tanto, Tomou uma posição digamos mais à esquerda (hum?)...

Bom. Pensando sozinha, com meus botões, fico a cismar como meu papai era um homem estranho e interessante, bondoso e mimado, cercado de mulheres por todos os lados, solitário, independente, inteligente...

Todas as vezes em que ele se metia em algum assunto que poderia de alguma maneira deslocá-lo de seu eixo de segurança, ele vociferava e atirava uma flecha no interlocutor, dizendo simplesmente: conversa fiada. E ponto final. Ai de quem ousasse encarar aquele homenzinho pequeno, porém extremamente forte. Poucos - se houveram - arriscariam-se nesta empreitada.

Nem em seu leito de morte, depois de uma dolorida agonia de vinte e dois dias, horas antes de partir, percebi em papai qualquer fraquejar reles. Era uma fortaleza a toda a prova em noventa e oito anos terrestres e milhares (?) em outros lugares que minha ingenuidade não permite perceber.

Meu papai era um homem de muita conversa. Das boas...