ÂNGELA
Denis Sevlac
 
 

As águas vinham beijar-lhes os pés. A areia jogava-se à sua frente, desejando ser pisada.A brisa acariciava sua face, enquanto ela corria pela praia. Tudo por Ângela.

Enrolou a saída de praia na cintura, cobrindo a parte de baixo do fio dental rosa. Ricardo, seu noivo, esperava no carro. Os pescoços torciam-se enquanto ela passava. As mulheres olhavam-na com despeito; os homens, com cobiça.

Entrou no carro. Ricardo estava aborrecido. Ela sempre demorava demais. E todos sempre olhando para ela. Era irritante. Ninguém o respeitava.

Ângela, mulata de 1,75m, cintura fina, coxas grossas, rosto de anjo, cabelos encaracolados pouco abaixo dos ombros torneados, em seus vinte e cinco anos, era demais para ele. Ricardo, trinta e quatro anos, muito magro, com uma indisfarçável barriga de chope, 1,68m, já meio calvo e feio, coitado, tinha medo de perdê-la. Nunca entendera como ela se interessou por ele, sem que ele tenha feito qualquer esforço.Não ficou atrás dela, não mandou presentes, sequer chamou-a para almoçar. E agora ela era sua noiva!

Ligou o carro.

- Que foi, meu lindo? - sorriso no rosto, perguntou a mulher ao seu lado. - Por quê do bico?

Não poderia expor tudo o que sentia. Sabia não merecer aquele monumento ao seu lado, mas jamais deixaria que ela suspeitasse disso.

- Nada. - E completou - É o sol. Ele está muito quente.

Ela riu. Uma gargalhada gostosa que vinha de algum lugar acima de seu ventre.

- Que bonitinho! Queria um sol mais fresquinho, meu amor?

Ele sorriu um sorriso amarelo. Sentia-se estúpido ao lado dela.

Ângela olhava Ricardo com certa doçura. Sabia que ele nunca deixaria de amá-la. Não era um homem que lhe despertasse desejo. Tudo bem, pensava ela, ele nunca vai me abandonar.

Sempre se envolvera com jovens bem mais novos que ela. Tinha tesão por garotinhos que podia dominar. Preferia aqueles em quem ninguém reparava. Garotos lindos e rejeitados, que ela pudesse usar a seu bel prazer.

Apaixonara-se por um, há pouco tempo. Já estava noiva quando aconteceu; isso, afinal, nunca a impedira de nada. Trocava mensagens pelo celular, quando Ricardo distraía-se. Suspirava.

Nesse período, não suportava ser tocada pelo noivo. Dizia que estava cansada, que trabalhava muito. Guardava suas forças para o varão de dezessete anos, de corpo atlético e olhar cobiçoso.

Isso tudo até ser abandonada pelo jovem amante. Ele descobrira o amor nos braços de uma franzina adolescente loira, olhar de um azul profundo, em seus virginais quatorze anos. Ângela não entendia a troca. Como podia tê-la trocado por aquela criança, que nem seios tinha direito?

Fora, mais uma vez, abandonada por sua paixão.

Agora estava no carro, com Ricardo. Ele nunca saberia de suas paixões e talvez pudesse ser feliz assim, pelos dois. Ângela nunca viveria um grande amor, já estava conformada, mas Ricardo nunca a abandonaria.

Sentia-se um homem de sorte. O mais sortudo do mundo. Especial, de alguma maneira. Afinal, aquela deusa havia escolhido ele. Não a deixaria escapar. Ângela era pra casar.