FALL
Eduardo Prearo
 
 

As pessoas, nos dias de hoje, parece sempre quererem dizer, mormente com murmúrios estranhamente certeiros, o quanto trabalham ou que trabalham, talvez para gotejar venenos de raiva nos que elas consideram vagabundos. Não entendo. O que tenho a ver com a vida delas, desses seres desconhecidos que também, devido à condição humana, na sua maioria irão para um ataúde? Tenho um certo dó. Subi a Augusta, vindo de Pinheiros; não tomei ônibus. Sinto que impera uma certa mixórdia em meu interior. Não sou escritor, e quando é para escrever sobre um tema específico, simplesmente travo. Velho travado, mas não no cais. Por que disse isso a alguém em uma fila não me recordo mais. Não quero crer em almas gêmeas porque não possuo virtudes, pelo menos não tenho consciência delas. Mary não me ligou hoje, e parece-me que muita gente ao meu redor está com problemas seriissimos. A última vez que ela me ligou foi pra falar de alguém que até temo em pôr o nome aqui, uma bruxa que agora pode estar captando meu pensamento. Realmente, conforme vou escrevendo vou percebendo o quanto estou/sou vazio. Quando o assunto é amor, no meu caso, nem Santo Antonio ajuda, e sinto muito, sinto muito para eu mesmo que absolutamente ninguém por quem talvez eu me interesse quererá casar-se comigo. Não sou daqueles tipos pra casar, entende? E agora, com essa quadratura de Saturno em trânsito com o Vênus radical, prevê-se mais solidão ou então um mar de lama. Não, não estou a me impressionar com os astros, de forma alguma. Saí de minha concentração habitual ao ler em alguma revista sobre troca de geladeiras. Pra que vou querer uma nova se...se nem sei se irei ficar mesmo aqui? Imaginei que a que utilizo chegará às siderúrgicas com os imãs todos e tolos que coloco para efeito de decoração. Aqui ninguém entra mais até minha saída. E essa geladeira nem fui eu quem comprou, foi a falecida! Agora passam das quatro da manhã, e Mary me ligou, mas não atendi. Ligou-me mais de dez vezes, provavelmente para falar no que perdi não indo àquela festa maravilhosa de ontem. Aliás, ontem, perdi muita coisa: clientes não me pagaram (nem vão pagar-me), e sinto uma cobrança maior de todos para comigo em todos os níveis. Parece que deixaram para cobrar-me neste início de ano o que não fizeram no final do ano passado. No mercado, comprei certos alimentos e chegando à caixa, disse-lhe para me dar a notinha pois tenho cara de bandido. Ah é, ela disse. E você também, retruquei. Enfim, tem sido assim meus dias. Ando surtando. Não suporto mais qualquer tipo de trânsito, e fluxo de pessoas. Estou me sentindo mal, e sei que a solidão persistirá até que eu tenha de dividir alguma coisa devido a esse trânsito de Saturno ou devido à queda inevitável, principlamente amonetária. No Domingo você voltará de novo com toda a intensidade, eu sei. Sempre aos domingos,o dia para a maioria é sagrado, mas para mim, um ser meio retardado, não. Não me olham, ah ninguém olha, ouvi de uma desconhecida. Na verdade, preciso ser olhado, amado, solicitado. Um bom indez para os olhares seria um corpo sarado, mas não tenho. Minha academia fica ali, debaixo da ponte, mas e daí? Até mesmo ali desconfiam de mim, põem-me de lado e tento fazer os exercícios devagar, por eu mesmo; conheço crioulos, que agora desconheço, que têm personal trainner e um corpo maravilhoso. Não sei, por vezes acho a bunda de crioulos um tanto ou quanto femininas. Enfim, crioulos e crioulas tem semelhança de bunda. Por favor, não volte. Desconfiam tanto de mim que nem sei; vai ver é assim que se formam os bandidos. E aqui em São Paulo, segundo um velho fazendeiro milionário, formam-se bandidos como bactérias em banheiros de periferia. Talvez como no meu banheiro que também não é meu. Se a economia não vai bem, não há acovardamento, uma palavra muito forte, mas austeridade. E o vida boa aqui parece não gostar muito de austeridade. Não vou lhe culpar por ter gasto mais do que deveria. Se você voltar no Domingo, prometo não ficar bravo, pois bem sei que já tive domingos piores do que esses, esses recentes. Domingos em que tive de virar uma espécie de cientista e cozer folhas de árvores para comer. Mas você não me dá esperança de melhoras no momento. Basta Mary me ligar para de novo você surgir, mas ela menos te invoca do que me alivia. Percebo que não tenho inteligência para incomodar, e com a verbalização em baixa imagino que não ofenda ninguém. Na adolescência, lembro-me de que cheguei a queimar um livro de Fernando Pessoa por sua causa. Vamos punir porque não gostei, este é o lema da nação; mas são punições sutis, talvez advindas de murmúrios, o que obviamente tem o apoio da psiquiatria. Não espero me casar de novo, Deus me livre disso. Não quis ir a tal da festa (eu tinha convite) para não chocar com minha feiúra ou repugnância. Como sou sempre eu quem decepciona, sinto que desta vez fiquei decepcionado com os dirigentes do mundo. Pela primeira vez em muitos anos me decepcionei com alguma coisa. Portanto, jamais espero ir para a Europa, por exemplo. As viagens para lá estão relativamente baratas até que um dia eu venha talvez a ter dinheiro. Hoje você surgirá a partir do momento em que eu sair pela porta deste prédio, eu sei, já que meus bons dias são inaudíveis. O futuro muro que se irá construir ali na fronteira dos EUA com o México não tem nada a ver com o muro de Berlim, isso é coisa da minha cabeça. Mas você volta quando geograficamente percebo o quanto fica cada vez mais impossível se sair deste buraco. Lisboa ou Guiana?, escolha. Fiz uma balada, ah, fiz uma balada? Creio que sim.

Não se aproximam mais de mim,
Mas param enquanto não termino
Este cigarro até o fim;
Param, me observam, não sou fino,
Nem a fumaça é de Aladim,
E na cabeça toca um sino,
Sinto uns aromas de jasmim,
Então vulgar me persigno.

Não sei ainda por que vim,
Sem esperança, desatino,
Vou implorando aos Serafins,
Por dias brandos, divinos.
Estou perdendo a vida assim,
Os outros vivem, são felinos,
Talvez o sejam só pra mim,
Que não melhora o figurino.

Abro a torneira, água carmim,
Tratam-me como um assassino.
E na cadeia, no altar, sim;
Neste país sou peregrino.
Ninguém talvez saiba meu fim,
Tampouco sei como o imagino,
Mas bem sei eu dos meus afins,
Uns miseráveis que não nino.

INVOCANDO O DESCONHECIDO

Mostra-me Deus quem sou pra mim,
Tapo os ouvidos para os sinos,
Pro mar me chamam alguns delfins,
Quero saber onde me atino.

Não te senti durante a correnteza de algum tempo atrás. Agora você está sempre presente, e preparo um arroz dextrinado. Sei que cometi algum crime, você me diz isso todo o dia, mas qual? Um polícia quase se matou quando viu que eu não era fichado. Há épocas assim, em que não atraio ninguém, simplesmente inexisto. Mas me veio uma coisa agora; sim, pois há bilhões de seres nesta Terra, e diz o ocultismo que o círculo se fechou há milhares de anos; portanto, não haverá mais novas almas até o fim dos tempos. De qualquer forma, essa coisa que me veio agora, diz que existem bilhões de seres nesta Terra, e que talvez haja um, somente um que me queira pra casar. Mesmo agora, no outono. Mas sou indeciso, não saberia optar se surgisse mais de um alguém que me quisesse pra casar. Um vômito não é necessariamente nojento para alguns. Despeço-me de você, angústia, e oxalá eu não sirva mais de objecto para ninguém. Sou/estou profano, e você aparece também naqueles momentos em que penso no adopcionismo, em São José, que se era um adepto nunca foi criança; nesses sês da vida. Mary me disse que a outra, a temida Mary, e o crioulo-gente da maior favela vertical da América Latina têm uma vida inteira pela frente, de saúde e de glória. Mas também, o que tenho a ver com isso? Temo-os porque são cascavéis de altíssimo qi. Tento seguir em frente com minhas tripas de cordeiro pelo corpo e me esquecer um pouco. O título deste texto foi sugestão de algum ser que desconheço, e talvez não tenha nada a ver com o conteúdo; mas talvez tenha a ver comigo, com meu outono, que logo também vai terminar caso eu não morra. Ou seja, se por acaso eu não morrer antes do inverno chegar. Do outro lado quem sabe não exista alguém que me queira pra casar!