DORINHA
Marcelo Maita
 
 

Entre minha casa e o campinho de futebol, existem outras casas e uma árvore. Geralmente, em baixo da árvore ficam algumas senhoras jogando conversa fora. Conversa fiada. Conversa que vai longe - entre a novela das seis e a das oito, são discutidos os mais diversos assuntos - aquecimento global, desmatamento na Amazônia e por que o Dunga insiste com o Vagner Love.

Passo por lá todo domingo, sempre antes das quatro. Sempre estão lá, tramando os acontecimentos da semana. Acho que falam de mim. Uma senhora me apontou o dedo e disse que eu não jogava nada. Se ainda estão vivas, devem muito à vida alheia, que alimenta suas tardes vazias de domingo.

Após tantos domingos, acabei por decorar a escalação destas bravas senhoras, defensoras das tradições do interior. Em um banco, sob a árvore, sentavam-se da esquerda para a direita, Dona Julia, Dona Conceição, e Dona Lurdes. Embaixo, em uma cadeira de praia, de costas para a rua, Dona Mara, a capitã do time. Era ela quem escolhia a pauta dos assuntos. Todas tão bem preparadas e experientes em conversa fiada, que deixariam um deputado em campanha boquiaberto.

De tanto fofocarem, acabavam fofocando de suas próprias vidas. O que era muito bom, já que descobri que a Dona Mara tinha uma neta da minha idade. A Dorinha. Moça bonita, prendada e que não dava um pio. Tinha estudado na capital e estava de visita.
Um domingo qualquer, como sempre, estavam maquinando a respeito da vida privada. Minha vida privada, para ser especifico.(Quero uma delas para escrever minha biografia). Sabe-se lá como, tiveram a brilhante idéia de que eu seria um bom par para a neta da Dona Mara. Fofocaram de mim pra ela. Dela pra mim. De mim para mim mesmo e dela para ela mesmo. Não precisa dizer que acabaram nos convencendo.

Quem diria que conversa fiada desse em namoro? Quem diria que, eu, vitima das especulações delas, seria tão grato por terem fofocado de mim? Continuavam fofocando da vida de todos. O poder de suas línguas era tamanho, que depois de falarem alguma coisa do prefeito, a esposa dele descobriu que ele traia-a com o vice-prefeito. Um choque para a pobre primeira dama. Dês que não fosse mais eu, o pobre coitado, injuriado por elas, estava tudo bem.

Eis que um domingo choveu. Não fui no campinho. Por associação, não passei na frente das fofoqueiras, que por sua vez afiaram a conversa, e fui pauta novamente. Diziam que eu tinha outra. Diziam que eu tinha alguma coisa com a mulher do prefeito. Diziam que eu tinha alguma coisa com o prefeito! Das quatros às seis, tive um caso com todas as mulheres solteiras da cidade e algumas comprometidas também. O que gerou alguma confusão. Não pouparam a Dorinha. Ela foi a primeira para quem foram inventar. Ela terminou tudo comigo através da fofoca das senhoras. Disseram para mim que ela tinha um caso com o prefeito. Disseram que ela saiu com o vice-prefeito e a mulher do prefeito ao mesmo tempo! Cidade pequena é fogo! Me recuperei e fui procurar conversar com a Dorinha. Revelei tudo que sentia por ela, e que nunca tive nada com o prefeito. Ela ficou em duvida e disse que ia pensar. Ela pediu conselhos à avó, que disse que eu era um fofoqueiro e que estava de conversa fiada.

A Dorinha voltou para a capital. Disseram pra mim que ela foi com o prefeito. Parei de ser alvo das fofocas. Paguei um preço alto para não habitar aquelas más línguas. Não falam mais de mim, mas ainda reclamam do meu futebol. Agora a vitima é o Dunga, que teve a brilhante idéia de convocar o Léo Moura.