FOTO DA TURMA 208
Djanira Luz
 
 

O filme A Múmia, sempre me faz recordar este episódio no colégio...

Era um garoto estranho, esquisito, calado. No colégio não tinha amigos, pelo menos nunca tinha visto ele conversar com alguém. Era incomum estar sozinho naquela idade entre 16 e 18 anos, onde vivíamos rodeados de colegas. Ele me dava medo. Mais ainda quando alguém da sala contou que ele, o Jáder, gostava de mim... Como souberam disso, sinceramente, não faço idéia! Não recordo do rosto dele, mas de uma situação que vivi em sala de aula, jamais me esquecerei.

Jáder sentava ao fundo da sala, sempre na última carteira da quarta fileira. De cabeça baixa, parecendo estar distante. Discreto, ficava espiando pelos cantos dos olhos o movimento da turma, sempre calado. Eu percebia que ele estava ali, bem atento a tudo. Sabe Deus o que se passava naquela cabeça de natureza excêntrica. O que estaria planejando?

Era época de prova final e aquele dia o fotógrafo estaria no colégio para a foto da turma. Fui arrumadinha, cabelos escovado cento e trinta vezes, uniforme impecável, brilho nos lábios, uma graça! Para me contrariar, o lugar que gostava de sentar, a segunda carteira da terceira fileira, estava ocupado. A "sebosa" da Grace estava lá. Justo ela que vivia concorrendo comigo e não perdia a oportunidade de fazer algo para me perturbar. Corri os olhos pela sala e o único lugar vago era justo ao lado dele, do sinistro garoto de cabelos cacheados. Fazer o quê? Nada poderia dar errado no dia da foto! Finjo tranqüilidade, passo as mãos nos cabelos e sigo até o fim da sala. Sento-me ao lado daquele garoto que me causa arrepios. Há um burburinho entre os alunos, todos querendo ver minha cara ao lado do Jáder. A Grace fica olhando para trás, querendo captar alguma reação irritada minha. Perspicaz que sou, não dou o gostinho para ela. Mascarei a raiva e sorrio. Passo a impressão de estar ao lado de Pietro, o garoto lindo que senta na segunda fileira.

A aula prossegue, noto que o Jáder está inquieto. Sinto-me observada e isso vai me incomodando. Já passei a mão pelos cabelos umas cinqüenta vezes, significando que estou super tensa. Estou desconfortável imaginando que aquele garoto possa ter uma reação e me agarrar, me abraçar,me esganar... sei lá!

Começo a copiar a matéria para prova. Fixo atenção na aula. Completamente absorta com a História da Guerra Fria, Corrida Armamentista, OTAN e Pacto de Varsóvia, Marxismo, Plano Marshall... Até esqueci-me do Jáder a meu lado. De repente, ouço um som que vai aumentando. Algo mais ou menos assim:

- Hãn, hãn, hãn....

Viro a cabeça para o lado direito onde está o Jáder, me assusto e dou o maior grito da minha vida. O garoto está com a boca enorme aberta, babando muito, está com o braço estendido em minha direção parecendo querer me tocar!

A professora se aproxima do Jáder, me olha sério e ainda me repreende duramente em alta voz:

- Que isso, menina!!! Para que todo esse grito??? Foi a mandíbula dele que deslocou! - Ela desconhece meus temores em relação ao Jáder. Se soubesse, a bronca poderia ter sido ainda maior.

Respondo, sem jeito, pela bronca que penso ser desmerecedora:

- Eu me assustei, professora, desculpa...

Pudera me apavorar assim, tinha vários pensamentos negativos em relação ao infeliz do garoto, que quando o vi daquele jeito, nem imaginei que a mão estendida para o meu lado era um pedido de socorro. Então era por isso que a boca estava enorme, como aquelas múmias do filme. As mandíbulas dele haviam se deslocado, caramba!

A professora encaminha o garoto para secretaria e o levam ao hospital mais próximo do colégio. Imagino que ele vai ficar internado, talvez precise passar por uma cirurgia.

A sala ficou divida nas opiniões. A maioria ficou do meu lado, porque me assustei pelo fato do Jáder ser mesmo esquisito. O restante, ficou me achando uma insensível. Mas se estivessem no meu lugar, talvez fizessem pior. A Nicole que fazia Karatê, na hora do susto, por impulso, teria socado o Jáder, com certeza! Até dá para ver a cena.... "Iaaaaaaaaaaaaaa!" "Pow!"

A Grace não perde tempo e dispara seu sibilar de cascavél:

- Aeee, Judy, não disse que ele tava de queixo caído por você... - disse a debochada.

A turma cai na risada. Eu não acho graça nenhuma.

Félix, que faz tudo para agradar a Grace, completa:

- E babando por você também, Judyzinha! Há, há, há... - Caçoou o comparsa da Grace.

Novamente sou motivo de risada, a turma é unânime na gargalhada! Até meus amigos, sucumbiram às piadinhas.

Uns dez minutos depois, a professora retorna a sala e pede silêncio. A essa altura, a turma está uma algazarra só. Todos riem e falam ao mesmo tempo. Sei que não gostei das piadinhas, mas convenhamos, elas foram bem oportunas e criativas. Para mim, nada poderia ter sido pior naquele momento: ser alvo de gracinhas.

E por falar em pior... Pior foi quando Jáder voltou. É, ele voltou. Meia hora depois lá estava ele na sala, ao meu lado... E a professora de lá da frente de olho em mim, na minha reação. É claro que dissimulei minhas preocupações, ficando como o Jáder, calada.

Para minha surpresa e espanto, não foi necessário internar, operar, nada. Apenas recolocaram a mandíbula no lugar. Engraçado é que ele voltou com a cara toda enfaixada. Enfaixaram da cabeça até debaixo da mandíbula, como fazem quando se está com caxumba. Se o Jáder já era estranho, mais ainda ficou daquele jeito. Parecia uma múmia de verdade!

Terminados os noventa minutos de aula, dos dois tempos de História, vamos todos até o pátio para a famosa foto de fim de ano. Procuro ficar distante do Jáder e próxima ao Pietro.

De uma coisa tenho certeza, o Jáder, coitadinho... Não ficou bonito na foto!