CRÔNICA RESIGNADA DE UM ALLEGRO MISANTROPO XXXI
Sérgio Galli
 
 

(Ao som de Impressions, de John Coltrane)

O sonho de consumo de George W. Bush, o presidente dos Estados Unidos da América, após cincos anos de invasão do Iraque, foi realizado: mais de quatro milhões de refugiados; mais de quatro mil soldados americanos mortos e quase trinta mil feridos; cerca de quatrocentos mil iraquianos mortos; mais de meio trilhão de dólares foi o custo da invasão. Repito, quase 600 milhões de dólares! E dizem que somos sapiens, racionais. Enquanto isso, segundo dados da ONU, a cada 19 segundos uma criança morre de "caganeira" (diarréia), por falta de saneamento básico. Para salvá-las não seriam necessários nem dez por cento do que foi gasto na invasão.

Repito. Em pleno século XXI, pós-modernidade, progresso, tecnologia, desenvolvimento, internet, tv digital, telefone portátil, enfim, infinitas quinquilharias eletrônicas, uma criança morre de "caganeira" (diarréia) a cada 19 segundos! Quantas já se foram enquanto digitei estas 10 linhas?

O sonho de consumo de George W. Bush é pago com cadáveres.

Nesse ritmo feérico, voraz, histérico, internético, narcísico de sonhos de consumo, o planeta está indo para o espaço ou derretendo como o Himalaia, o Kilimanjato, os Alpes. Outros dados da ONU apontam que, hoje 1,2 bilhão de pessoas sofre com a escassez de água. Outros 2,6 bilhões de pessoas não dispõem de coleta de esgoto adequada. A guerra pela água não é ficção científica. Desculpem a citação, mas acho que é válida, foi publicado no Estado de S. Paulo, no dia 20 de março, "Água. Esse será um dos principais motivos que levarão países e grupos armados a entrarem em conflito nos próximos 25 anos. O alerta é da Organização das Nações Unidas, que, num estudo preparado para o Dia Mundial da Água, aponta que o acesso à água será a causa número 1 das guerras na África até 2030, principalmente em regiões pobres que compartilham rios e bacias. "Identificamos 46 países, onde vivem 2,7 bilhões de pessoas, nos quais há alto risco de crises relacionadas à água provocarem conflitos violentos", diz o secretário-geral da ONU, Ban-Ki-Moon, num artigo publicado no sábado."

Qual é o limite do consumo de sonho? Prometo que é a última citação.

"Perguntas nessa mesma direção poderiam ser muitas. Mas não é necessário. Pode-se lembrar o que os diagnósticos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) têm reiterado: o impacto humano sobre serviços e recursos naturais no planeta já está mais de 20% além da capacidade de reposição da biosfera terrestre e continua aumentando de ano para ano. Ou o que dizem os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud): hoje, quase 80% do consumo no mundo está nos países industrializados, que têm menos de 20% da população; se todos os habitantes da Terra consumissem como americanos, europeus ou japoneses, seriam necessários mais dois ou três planetas como o nosso para prover o necessário para esse consumo.", Washington Novaes, em artigo na mesma edição do Estado de S. Paulo.

O sonho de consumo já virou pesadelo. Mais de seis bilhões de pessoas. Um bilhão de automóveis. Em São Paulo, já são seis milhões de automóveis. Na Região Metropolitana de São Paulo, quase 20 milhões de pessoas. É inviável. Insustentável. Ingovernável. Não há saída. Esperança vã.
Consumo de sonhos é o limite do cartão de crédito.

Liberdade é o limite do cartão de crédito.

Extinção do homo sapiens demens é o limite do cartão de crédito.

Quantas crianças já morreram de "caganeira"?

Sugestão de leitura: "A criação - como salvar a vida na Terra", Edward. O. Wilson, Companhia das Letras)