UM DIA SUJO
Leo Nunes
 
 

Era sábado e fazia bastante calor. A BR-101 estava calma, pouco tráfego e o caminhão vinha lotado de tijolos, que foram carregados na olaria de Pipeiras, em Campos, com destino ao Rio de Janeiro.

Há meia-hora, João Carlos tinha se deliciado com uma bela e suculenta feijoada que fora servida num restaurante, já conhecido em outras oportunidades, próximo a Macaé. O sono ao volante era inevitável depois daquela comilança toda. Pensou em dar uma parada e descansar num posto, mas de repente, avistou uma pessoa que acenava na beira da pista.

A princípio, achou que fosse um pedido de ajuda, pois havia um carro que parecia enguiçado próximo à pessoa, mas não era. O veículo estava ali há três meses, abandonado pelo dono. Mas também, aquilo era ferrugem pura e nem pneu tinha direito. Valha-me, Deus!

Ao chegar mais próximo, foi reduzindo a velocidade e percebeu que se tratava de uma mulher pedindo carona. Ao mesmo tempo em que parou um pouco a frente e olhou pelo retrovisor a dona vindo em direção à porta do carona, um tufão surgia no interior da sua barriga, O que seria aquilo que estava ocorrendo?

- Caramba! Acho que a feijoada não caiu bem... - disse João em voz baixa.

O suor começou a descer gelado como se tivesse saído de um freezer. Quando Joca esticou o corpo para abrir a porta do carona para ouvir o que a moça tinha a falar, foram dois baques: o primeiro foi o espanto com tamanha beleza que a moça oferecia. Linda, uma verdadeira princesa. Trajava roupas humildes, um vestido florido que não passava do joelho e um decote sem exuberância, uma bolsa de alça na sua mão direita e uma garrafa de água mineral na outra.

- Boa tarde! O senhor passará em Casemiro de Abreu? Eu perdi o ônibus que iria para lá, e tenho que encontrar meus tios ainda hoje - assim falou a pequena com uma voz doce saindo de um sorriso afetuoso e um olhar baixo.

Não esquecendo, o outro baque foi o segundo tornado motivado pela feijoada dentro da barriga do caminhoneiro. A situação começou a ficar crítica. Ele não respondeu a menina com palavras, só fez um gesto com a mão e ela subiu. Nesse instante, ela agradeceu e fechou a porta, tendo que batê-la por três vezes.

Joca não sabia se olhava de rabo de olho a menina, se puxava algum assunto ou se ficava preocupado com a revolução que ocorria dentro de si. O silêncio reinou na cabine por 4 minutos, até surgir um grito devido a mais um incômodo, e por sinal, o pior até agora:

- Meu Deus do céu!!! O que está acontecendo comigo??? - João Carlos assustou a moça com esse berro.

- O que houve, moço? Quer que eu desça? - muito assustada, ela sussurrou abraçada com a bolsa e largando a garrafa de água, molhando todo fundo da cabine do caminhão além de parte do seu vestido.

João só pensava em chegar a algum posto de gasolina para poder pôr para fora todo aquele mal que o atormentava. Não tinha fundamento uma situação daquela, não era todo dia que aparecia uma moça linda e simpática pedindo carona. E justo com ele, justo naquele dia, a maldita feijoada jogava contra o seu time. Pura injustiça. Ele pensou em ir ao mato, mas que desculpa dar a sua companhia numa situação dessas? O jeito era agüentar um pouco mais. Estava difícil, mas teria que ser assim. As pernas estavam praticamente imóveis. Era só a direita que calcava levemente o acelerador. A cabeça não se movia, os olhos não piscavam, e os braços duros guiavam o volante. Tentou se distrair:

- Qual a sua graça, moça? - perguntou com a voz trêmula.

- Carmem. Mas todos me chamam de Carminha. Se o senhor quiser me chamar assim...

O motorista se contorcia de um lado, se contorcia do outro, quando de repente, saiu. Ele percebeu que algo quase do tamanho do seu caminhão saia do seu traseiro, formando um bolo dentro da sua calça. Ele poderia ser comparado a Hercules naquele momento devido à força que fazia para tal controle, mas foi inevitável. O negócio agora era o medo do cheiro subir de forma que Carminha sentisse. Justo naquele dia?

Ele sabia que faltavam três quilômetros para chegar a Casemiro de Abreu, que por sinal eram os mais longos já percorridos em toda a sua vida. Quanto mais acelerava, mais demorava. E pensar que a situação poderia ficaria pior, quando ao fazer a próxima curva, deparou-se com uma blitz da Polícia Rodoviária. Era só o que faltava para naquela circunstância.

- Boa tarde, senhor. Por favor, habilitação, documento do veículo e nota fiscal da mercadoria transportada. - solicitou o guarda.

Sem olhar ao lado, tudo lhe foi entregue. Não satisfeito, o policial pediu que João descesse do caminhão para acompanhá-lo na vistoria da mercadoria.

- Não posso descer daqui, não senhor! - achando um desaforo, o guarda que já estava irritado por ficar naquele sol quente com a farda abafada, falou mais alto com o caminhoneiro.

- Ou o senhor desce, ou terei que usar do meu poder de polícia!

Joca não teve alternativa, e ao se movimentar para descer da boléia o cheiro subiu forte.

- Nossa Senhora! O que é isso que o senhor leva aí, tijolo ou estrume? Pegue logo sua papelada e suma da minha frente, seu porco! - policial virou as costas xingando muito.

A moça permaneceu intacta no seu lugar. João voltou ao seu assento e retornando com o caminhão à estrada, seguiu correndo feito um foguete rumo a Casemiro de Abreu, lugar que avistou com um sorriso imenso. Ao encostar o caminhão em uma das vagas da rodoviária, desceu e correu como um relâmpago ao banheiro. O alívio foi uma das melhores coisas que ocorreu em sua vida, mesmo já tendo começado o serviço na cabine. Ao sair, correu para enfim dar atenção a sua acompanhante, mas...

- Onde foi parar a Carminha? - perguntou em voz alta a si mesmo.

Quando olhou ao lado, a bela moça acenou com a mão e um sorriso singelo, e entrou num carro que a esperava. Ele não teve forças para reagir e tentar ir atrás da linda acompanhante. Ficou olhando a sua felicidade ir embora sobre quatro rodas. João Carlos foi ao restaurante, pediu um suco de goiaba e se sentou à mesa com a calça ainda suja, lamentando em prantos as derrotas de um dia sujo.