UMA BAIANA CHAMADA AURORA
Raimundo Antonio de Souza Lopes
 
 

Antonio descia uma das serras das Minas Gerais, dirigindo seu caminhão truck, tipo Mercedes Bens, modelo L 1620 - Turbo, pensando em chegar logo a Belo Horizonte e matar a saudade da viagem, nos braços de Aurora, fogosa mulata baiana que emprestava seus dotes de cozinheira, no restaurante do posto de gasolina que ele costumava abastecer. Aurora, moça pobre do interior baiano chegara ali trazida pelos donos do restaurante, ainda novinha, com apenas 13 anos. Crescera no meio daqueles andarilhos e tinha se especializado em uma gastronomia não muito refinada, porém típica, e aceita por aqueles nômades do asfalto. Cozinhava bem, e o restaurante da beira da estrada tinha a sua fama cada vez mais propagada, justamente pelo tempero praticado pela moça humilde, mas competente no seu ofício.

Antônio a conhecera numa dessas noites em que a vontade de correr pelo mundo, e engolir asfalto escuro da noite, se fizera preguiçoso. Resolvera parar ali para bater os pneus, abastecer o bruto, tomar um banho, jantar e seguir viagem. Porém, depois de ter jantado e aprovado o tempero, a preguiça se apossou do seu corpo e o deixou relaxado mais do que o costume. Sentindo os efeitos de Morfeu em seus olhos, ele optou por dormir ali e sair cedinho, lá pelas quatro horas da manhã. Raciocinou que tinha agido bem, pois já estava viajando a duas noites sem dormir e o corpo reclamava por descanso, apesar de estar acostumado às intempéries da vida de caminhoneiro. Saiu do ambiente fechado do restaurante, sentou-se em uma cadeira de balanço - que estava à espera de alguém para poder servir - retirou o maço de cigarros (um vício que o ajudava nas horas solitárias, das noites sem fim, de um país grande demais), acendeu um, deu uma tragada, puxando com vontade a fumaça que invadiu os seus pulmões, e a soltou de uma forma vigorosa, vendo essa mesma fumaça se perder no horizonte dos que vão à busca de uma estrela, para consolidarem seus destinos.

Estava, ele, a se balançar, sem pensar muito na vida, quando sentiu um cheiro cheiroso de quem acabara de tomar um longo banho, e havia seguido fielmente o ritual que toda mulher segue, quando está a fim de encantar um homem que está desejando para si: o corpo exalava o perfume de um sabonete de algas, misturado com o óleo de amêndoas e o de uma fragrância de água de cheiro. Olhou a sua direita e deu de cara com uma mulata, tipo exportação, da pele cor de canela, de olhos azuis agateados, sobrancelhas bem feitas, nariz arrebitado, boca carnuda bem delineada e cor de amora, os dentes perfeitos e brancos, os cabelos ondulados da cor de uma graúna, cintura de violão, seios empinados e duros, os quadris sem nenhuma grama de gordura, as pernas grossas combinando com a largura dos quadris e um bumbum redondo e proporcional a estética da bela baiana. Para completar a descrição, ele observou que ela vestia um short jeans, uma blusinha tomara que caia (o que realçava seu busto e mostrava ombros lindos!), brincos de argolas grandes e colar de contas de várias cores (dando um ar de mulher de candomblé), além de uns tamancos de salto alto, deixando-a quase da altura dele. Era uma linda mulher! Pensou.
Uma coisa o Antônio tinha: rapidez no raciocínio. Imediatamente puxou uma cadeira que estava ao lado e convidou-a para sentar-se, sendo prontamente aceito o convite por ela, não sem antes lhe dar uma olhada daquela que penetra até a alma, ao mesmo tempo em que envia a mensagem direta para o local do cérebro onde está localizado o prazer.

"- Noite agradável, essa. Até me deu vontade de ficar por aqui e, graças a Deus eu fiquei." Disse o Antonio olhando diretamente nos olhos da linda mulata, fazendo um gesto com a língua por sobre os lábios, ao mesmo tempo em que descia o olhar para os ombros dela. E sem dar trégua, para que ela não ficasse encabulada (coisa que tinha certeza ela era imune), continuou:

"- Veja como é interessante o destino. Nunca gostei de parar aqui nesse posto, prefiro sempre o que fica mais adiante uns 50 quilômetros, porém hoje eu resolvi parar e justamente quando não estou com a mínima vontade de prosseguir viagem, pretendendo, inclusive, dormir por aqui mesmo". Completou Antonio, olhando fixamente para os olhos de gata siamesa da baiana para ver se a cantada ia surtir efeito.

Deu o bote e esperou para engolir a presa. Ela olhou para Antonio, o mediu dos pés a cabeça, cruzou as pernas provocativamente deixando a mostra um belo par de pernas de músculos rijos, deu um sorriso abrindo um pouco a boca rosada, passou a língua por sobre o lábio superior e disse:

"- Parece que estava adivinhando que hoje eu teria a sorte de ter uma companhia agradável para conversar. Estou cansada de não ter com quem conversar e quando tento me aproximar de alguém, percebo que todos são iguais: brutos." Quando acabou de falar, ela o olhou maliciosamente dengosa, como a buscar consolo nos ombros daquele jovem, para a sua falta de sorte em conseguir uma companhia que desse prazer em estar com ela.

"- Meu nome é Aurora. Moro aqui desde pequena e sou a chefe de cozinha, apesar de ainda ser muito nova. Gosto de cozinhar e fazer pratos diferentes, e os caminhoneiros faz fila para provar de meus temperos". Disse ela soltando uma gargalhada gostosa de ouvir, ao mesmo tempo em que o dobrar da cabeça para trás deixava seu busto quase que saltando para fora da blusa que usava.

"- Bem, obrigado por achar que sou uma boa companhia. Vou fazer de tudo para não decepcioná-la". Arrematou Antonio.

Dali para frente o diálogo entre eles foi o dela querer saber sobre a vida dele, quem era e de onde vinha; se era casado; se tinha algum "chamego" pelo "trecho", essas coisas comuns a quem está interessada no outro e quer logo saber para se sentir segura. Conversaram amenidades, falaram de causos na estrada, contaram a história sobre a mulher que pedia carona (uma lenda entre os caminhoneiros da história da mulher loira e bonitona que ficava na beira do asfalto esperando uma carona e quando um caminhoneiro parava para ela, ela o levava até uma casa mais na frente e lá ela desaparecia, deixando o pobre do motorista louco) e terminaram, claro, falando o assunto que mais interessava a eles: o que fazer e como dar certo para fazer, para continuar a conversa num lugar mais agradável.

Aurora, matreira como toda mulher é, disse que ele não se preocupasse com isso, pois ela ia dar um jeito de estar com ele mais tarde para continuarem a conversa. Dizendo isso, ela sorriu dando um olhar que parecia o sim de um casamento, antecipando assim, o que Antonio queria ouvir.

"- Olhe, eu vou cuidar de umas coisas, ver se os auxiliares estão deixando tudo limpo para amanhã, providenciar já as coisas para o café de amanhã, esperar que meus padrinhos se recolham (ela falou que os "padrinhos" eram os donos e que tinham muito ciúmes dela e não permitia que ela se envolvesse com ninguém, sempre dizendo que ela era especial e merecia se casar com um bom partido, não com os clientes que freqüentavam o local, ou seja: caminhoneiros) e depois que eles estiverem dormindo eu vou bater na cabine do seu caminhão, certo?" Finalizou Aurora.

"- Certo. Olhe querida, não vá se enganar de caminhão!" Falou sorrindo, Antonio, mostrando o local que tinha deixado o bruto estacionado, bem embaixo da marquise feita para abrigar aqueles que por lá pernoitassem, do lado mais próximo da lateral direita do restaurante, onde ficavam os quartos dos donos e da fogosa mulata.

Despediram-se com um olhar cúmplice e um roçar de mãos, ela se dirigindo para o interior do restaurante que estava, nesse momento, vazio, ele se dirigindo para a cabine do seu caminhão. Lá, ele aprontou o ninho para o amor.

E ela veio, não demorou muito. Estava viçosa, transpirando sensualidade, com a pele em brasa de tanto desejo. Chamou baixinho por Antonio e assim que ele abriu a porta, ela adentrou sem a mínima cerimônia. Sentaram-se no banco de passageiro e lá começaram a trocarem beijos carinhosos cada vez mais ardentes, enquanto suas mãos procuravam, no toque, se encontrarem em diferentes esconderijos.

Foi uma noite inesquecível. Aquela mulher sabia realmente como temperar uma "comida" e deitou e rolou por sobre os experimentos ali praticados. Seus dons levaram Antonio a estradas nunca antes percorridas e lugarejos jamais visitados. Ela o levou a loucura ao exibir seu corpo bem delineado e fazer dele uma arma potente no ato de fazer amor. Levou e recebeu. Pararam quando o sol estava querendo despontar, deixando tudo meio que avermelhado no horizonte. Estavam estafados, cansados de tanto se doarem e receberem prazeres múltiplos. Ela vestiu-se e o deixou ali, deitado, praticamente sem forças, com um beijo tórrido de despedidas e saiu desfilando de mansinho por entre o caminhão e os quartos, aquele corpanzil privilegiado de mulher genuinamente brasileira.

Antonio aproveitou para dormir um pouco antes de reiniciar a luta diária, aonde o prêmio por se chegar ao destino se media por quilômetros rodados e ocasionais visitas das patrocinadoras desses mesmos prêmios.

E agora, descendo aquela serra, vendo seu caminhão embalar, sendo obrigado a usar o freio do motor e pisar no freio de pé um pouco mais demorado, Antonio ansiava por aquele encontro, onde a certeza de momentos surpreendentes ia acontecer, com certeza. E isso o excitava. O deixava aceso e, vez por outra, passava a mão por sobre aquele monte que se escondia por baixo da sua calça jeans completamente surrada pelas viagens já realizadas. Ligou o CD e aproveitou para ouvir Roberto Carlos, num MP3 que trazia 200 músicas do rei. Gostava de Roberto, ele sabia como transmitir o amor e suas canções eram verdadeiras, vinham de dentro e falavam justamente sobre o maior dos sentimentos, em letras que contavam uma história.

Estava perto. Já avistava lá ao longe a placa que indicava que a cerca de um quilômetro havia um posto de combustível, com banho, com restaurante e com borracharia para um eventual reparo nos pneus.

Finalmente chegou. Parou, por uma coincidência, no mesmo lugar que tinha parado da outra vez. "- Um bom presságio". Pensou. Desceu, bateu nos pneus, verificou a lona e as cordas que amarravam a carga, verificou os estepes se estavam fixos e presos, e entrou no banheiro. Lavou as mãos, o rosto, arrumou os cabelos e foi no restaurante. Eram 14h00min de uma quinta feira, véspera de feriado de São Pedro, no mês de junho.

Sentou-se em uma mesa, pediu um PF (prato feito) - estava sem fome, mas precisava justificar a sua presença -, uma cerveja bem gelada e comeu vagarosamente, bebendo cada gole daquele líquido como se estivesse saboreando um corpo cor de canela, de seios pontudos e rijos, enquanto seus olhos não paravam de olhar para o interior do balcão para ver se a via passando por um dos lados da cozinha industrial. Não a viu. "- Será que ela estava viajando?" Se perguntou. Sim. Ela lhe dissera que sempre tirava uma folga, vez por outra, e ia aportar em sua cidade natal, chamada Feira de Santana, na Bahia e visitava seus parentes mais próximos, já que seus pais haviam falecidos, sendo essa viagem mais uma maneira de ajudá-los com o que levava, do que mesmo de descanso.

Terminou de comer, pagou a conta, tomou um café, acendeu um cigarro e sentou-se justamente na dita cadeira de balanço que estava sempre à espera de alguém para poder embalar pensamentos. Ali ficou absorto em catalogar suas reflexões que iam desde a profissão até as lembranças próprias, e também geradas pela sua profissão. Estava quase que "pegando" no sono quando sentiu um cheiro cheiroso de mulher que acabara de tomar um banho e estava louca para enfeitiçar seu homem com aquele perfume de água de cheiro... O cheiro particular de óleo de amêndoas pelo corpo... E o sabonete nutritivo que exalava um cheiro que embriagava lá dentro da alma...