PRECE AO VENTO
Leila de Barros
 
 

Vento que passa pelas estradas ermas e agrestes trazendo um perfume que aviva a memória. Corrente de ar tão forte que varre a areia salgada, mareando os olhos. Agita os regatos mansos de água doce até que se submetam ao oceano novamente, criando as pororocas.

Dança amigo e balança as palmeiras que ainda não conheço do outro lado do oceano pacífico. Lança pipas coloridas no ar, para que o céu cinzento se faça aquarela.

Assopra para longe todas as centenas de poesias que lancei ao céu em noite de São João. Sedimenta em mim, como nas rochas oceânicas, a certeza de que pertenço a uma tribo.

Vai vento, açoitando os bambuzais, os morros e as ondas que se encapelam como amantes com a pele arrepiada pelo contato do cetim branco.

Brisa amena que surge em noites de dezembro, sem rugir, sussurando apenas, como uma ladainha fervorosa pedindo por chuva.

Vento que assanha as saias, faz voar longe os chapéus, guarda-sois e os cabelos, leva meus beijos sedentos com gosto de água-de-coco.

Acorda meu Netuno para que o mar se acalme, para que as conchas exalem pérolas e me cubram de espumas acre-doces.

Dança comigo essa dança leve e temporária, pisemos em cascas de ovos, em telhados de vidro, nas gramas orvalhadas em busca de um pássaro raro.

Ajuda-me a abrir as asas, voar bem alto para descobrir se trago em mim ainda alguns talentos e dons humanos, para eu me sinta maga e real.

Vento que faz dançar os arbustos do meu jardim, dança comigo esta noite avarandada, para que eu tire os pés do chão só um pouco e para que ao acordar, eu tenha em minha mesa um novo favo de mel.

Traz uma canção de ninar, tocada por violinos ciganos que nada mais fazem do que imitar teus assovios ao longe...