AMOR E ÓDIO
Virgínia Pinto
 
 

Tenho uma relação de amor e ódio com a cidade em que vivo- São Paulo. Não se pode negar que oportunidades infinitas aqui não faltam, mas está impossível viver em paz nesse caos que essa cidade se transformou.

O trânsito praticamente paralisou as ruas que temos que trafegar para ir à escola, ao trabalho, ao médico, ao dentista, ao restaurante, etc... Se antes saíamos com antecedência de meia hora para determinado lugar, agora é preciso pelo menos o dobro do tempo para não se tornar deselegante ou estressado. Tentei viver sem carro. Adotei para o dia a dia ônibus e metrô, mas meus destinos teimam em ficar a muitos quilômetros de um ou do outro, e em dois meses me rendi aos encantos e desencantos de se ter um carro.

A violência já virou notícia tão repetitiva que a sublimamos para sobrevivência de nossa sanidade mental, já que nossos filhos saem de casa todos os dias e temos que entregá-los nas mãos do destino ou da fé que se faz necessária nos momentos de impotência e medo.

A vida cultural aqui é tão intensa que não consigo ver 1% das peças teatrais em cartaz, dos filmes, shows, concertos, exposições, mas tenho a sensação reconfortante de que a qualquer momento posso estar em qualquer desses lugares e isso me faz amar esta cidade.

Ontem atravessei a cidade de madrugada. Ela dormia. Pude abrir a janela e sentir o vento suave na cara. As ruas estavam vazias e me faziam dirigir pensando como se o caos aqui não existisse e essa fosse uma cidade onde se pode viver em paz, realizar sonhos, educar filhos, desenvolver trabalho em solo fértil e ser feliz.

Nasci aqui e em minha infância morei em algumas cidades do interior do estado. As lembranças que tenho são de crianças brincando na rua, cadeiras na calçada, pai chegando em casa com um sorriso no rosto e minha mãe preparando o jantar para celebrarmos aquela vida tranqüila e simples onde éramos uma família cheia de sonhos e projetos.

Décadas e muitos planos depois, sonho -em silêncio- todos os dias em ir embora daqui. Para onde? Não consigo encontrar lugar melhor para viver minha vida e semear meus sonhos, e em devaneio acabo recorrendo ao Bandeira- "Vou-me embora pra Pasárgada...".