MEIO AMARGO
Silvia Pires
 
 

Ali estava ela, sozinha e amargurada. Não buscava compreensão em nada, nem ninguém.

Sua vida, vazia e inexpressiva, não sabia das cores da felicidade. Não era boa, tampouco era má. Era apenas morna, como uma caneca de café esquecida na mesa da cozinha. Havia perdido o sabor das coisas, e nem se lembrava quando.

Nunca sentiu a brisa de um amor, nem viveu a tempestade arrasadora de uma paixão. Não viu nenhuma beleza cativante em outros rostos. Não apreciou o sabor de um beijo ardente. Não se deixou incendiar pelo desejo da carne.

Não soube compartilhar seus dias. Nunca dividiu seu tempo com ninguém, nem mesmo dedicou algumas de suas horas ao prazer. Não soube retribuir, nem se permitiu receber nada. Nunca acolheu e foi acolhida.

E agora, muito tarde em sua vida, não faria mais nenhum esforço. Ficaria sozinha.

Agora, neste exato instante, teria que ignorar o maior imprevisto de toda sua vidinha sem graça: apaixonara-se.