Tema 179 - QUATRO ESTAÇÕES
BIOGRAFIA
PEQUENAS HISTÓRIAS 212 - ANDRÉA (TRECHO)
Osvaldo Luiz Pastorelli

Procurar um psiquiatra, disse o doutor. O sol passando pelo vidro da janela do quarto do hospital lambia seus pés enfiados num chinelo masculino. Vestia um pijama de seda com bolinhas pretas. Não se sentia bem dentro do pijama, preferia mais uma camisola ou um pijama feminino. Que droga! O que lhe tinha acontecido? Não se lembrava de nada. Nisso bateram na porta.

- Entre, gritou.

Entrou a enfermeira com um embrulho que depositou em cima da cama dizendo:

- Aqui estão suas roupas, seus documentos, terá alta hoje.

- Está bem, obrigada.

Assim que a enfermeira saiu fechando a porta, Andréa abriu o pacote. Camisa, calça jeans, tênis, a carteira com os documentos... Abriu a carteira... Olhou a identidade: Andréa Figueirada Melam, sexo: masculino. Não pode ser, pensou jogando a carteira em cima da cama. O que lhe tinha acontecido?!!!!!

Andréa sentou ao lado da mulher que se dizia mãe dela. Não sabia o que dizer. Ficou por instantes em silêncio olhando para aquela mulher que ela não sabia quem era.

- Escuta, meu filho...

- Por favor, não me chame de filho, não sou seu filho.

- Está bem, disse a mulher engatando a marcha e pondo o carro em movimento.

- Olha, se eu topei sair do hospital foi porque estou confusa, não sei o que aconteceu, não tenho para onde ir, estou sozinha e, até que eu consiga lembrar o que me aconteceu, aceito sua ajuda, mas por favor, não me chame de filho.

- Entendo que esteja confuso, mas não acha que me é difícil não chamá-lo de filho?

- Não sei e nem quero saber.

- Obrigada pela sinceridade.

- Desculpe, é que está sendo duro para mim.

- E para mim não está?

- Não foi você que foi dormir como mulher e acorda no outro dia como homem.

- Não sei do que está falando.

- É pouco lhe importa o sofrimento dos outros.

- Realmente, não me importo com o sofrimento dos outros, só me importo com o sofrimento do meu filho.

- Mas não sou seu filho já lhe disse, gritou Andréa.

Numa freada brusca levantando fumaça e cheiro de pneu queimado, ela desesperada parou o carro no meio da rodovia.

- Até agora você falou isso e aquilo. Espere, agora é minha vez deixe eu falar. Será que não acha que não estou sofrendo?
Também não entendo o que está acontecendo e muito menos o que está acontecendo com você. Apenas sei que meu filho saiu não sei para fazer o que e, dali a pouco alguém vem me avisar que ele foi atropelado. Fico com ele mais de um mês no hospital entre a vida e a morte, e quando ele volta do coma, berra as quatro estações que não é meu filho, que é outra pessoa, que é uma mulher, vá a merda. To cansada. Se quiser ficar deixe-o tratá-lo como filho, se não quiser saia do carro.

Andréa, confusa não esperava a enxurrada de palavras da mulher que se dizia sua mãe. Espantada ao ver que ela chorava em silêncio, segurando a dor que talvez lhe brotava do peito.

Sentiu vontade de abraçar aquela figura miúda, cabelos grisalhos, esticou a mão e, indecisa não completou o gesto.

- Olha... Mãe... Quer dizer... Senhora?

- Ivone.

- Dona Ivone, me abrace, acho que estamos precisando do apoio uma da outra.

E abraçadas ficaram por um tempo sem se preocuparem com mais nada.

Protegido de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto acima sem a expressa autorização do autor