Tema 181 - Farrapo Humano
BIOGRAFIA
OUTROS ENGANOS
Luís Valise

Ela veio se insinuando. Sabe como é? Banho tomado, cabelos molhados, cheirando a lavanda. Ele conhecia esses truques. Não era a primeira vez. Manteve-se forte, reto, fiel. Mulher é mesmo assim, ele sabe. Quando quer, é puro dengo, vem logo encostando o quadril, cevando o calor da fornalha. Vocês sabem a que me refiro. A fornalha. O odor da seiva. Então era assim que ela estava. O vestido era leve, seda, quem sabe por baixo? Possivelmente nada além da pele. E também não era madrepérola, dura e lisa. Não. Aquela pele tinha suas sabedorias, suas maciezas certas. Um quê de almofada coberta por cetim. Nem mármore, nem algodão. Carne firmada nos anos. Ele gostava, mas fazer o quê? Evitava estar a sós com ela. Procurava multidões, espaços, rotas de fuga. Porém - força do destino - quase sempre ela estava lá, olhar de fogo, boca carmim, braços de trepadeira subindo inúteis pelo muro da sua fidelidade. Teve até uma vez, numa festa, aniversário do caçula. Ele conversava com alguém, ela não teve pejo: chamou-o pra dançar. Deixou-se levar, e quando estavam lá, no meio do salão, ocultos por outros pares, ela abaixou a mão e segurou seu pau, como quem segura uma tocha na escuridão. Ele até pensou "Vou comer!", mas o sentimento é mais forte que o pensamento. Muitos prometem, juram, e não resistem ao primeiro par de coxas. Não ele. Homem de uma só mulher. Por isso, quando ela chegou se encostando, olhos úmidos, ele saiu pra comprar cigarros. Acabou pedindo uma cerveja. Não tinha sede, mas melhor estar longe. Outros homens dentro do bar. Outros enganos, tantas mentiras. Fidelidade é coisa de macho. Quando acabou a cerveja, ele voltou, porque tinha que voltar. Ela ainda esperava. Não queria magoá-la, mas também não adiantava fingir. Deu-lhe um beijo no rosto, fez carinho nas crianças, vestiu o paletó, e foi pra casa do seu amor.

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