Tema 181 - Farrapo Humano
BIOGRAFIA
AS QUATRO PINTURAS...*
Yoshie Furukawa

Havia um velho pintor, que sempre dava um "Bom Dia !" para todos na rua. Era muito bondoso. Jacques estava sempre com sua boina, lembrança dos tempos na Europa, dos ensinamentos recebidos dos pais artistas. Aprendera cedo a moldar, criar formas e texturas diferentes com tintas e objetos que usava em suas obras.

Quando tinha dezessete anos fora reconhecido como um gênio para sua idade, pois conseguia pintar, esculpir, dar vazão à imaginação de diversas maneiras e falar claramente o que sentia sobre cada inspiração. Aprendeu a tocar instrumentos, que dizia que o conduziam em sua caminhada na arte. Também cedo se casara. E cedo perdera sua esposa que lhe deixou dois filhos, ambos completamente diferentes um do outro.

Eles cresceram com pensamentos e opiniões opostos, sabia discernir através dos barulhos dos passos de cada um, quem estava chegando em casa, ou entrando no ateliê. Charles sempre de forma agitada, impulsiva, queria as coisas sempre na hora, tinha um temperamento forte, que o assustava muitas vezes, pois sua mãe não era assim. Quase nunca o escutava, sempre fazia o que sua vontade imperava. E tinha uma sede por poder tamanha. Seria capaz de dizer que passaria por cima de tudo para conseguir o que queria. Albert era um rapaz terno, sempre paciente e apreciava leitura, e como o pai, amava pintar, mas sabia que não era tão dinâmico como o mestre de sua vida. Mas procurava estar sempre se aprimorando e aprendendo com a histórias que ouvia do carismático Jacques. Dizia ao pai que tentava sempre conversar com seu irmão e entender sua pessoa e não conseguia, mas que iria fazer de tudo para amá-lo.

Jacques num dia, muito preocupado com o futuro de ambos, chamou uma pessoa de confiança e se trancou na biblioteca. Pediu que todos saissem de casa. Anos mais tarde veio a falecer de um ataque fulminante do coração e confiara a essa pessoa uma carta e um testamento, pedindo que os chamasse na hora certa. Charles estava desfrutando de uma noite jogando cartas com seus colegas boêmios, rindo das piadas. E Albert sabia que o encontraria lá.

- O pai de vocês me confiou esta carta e também o testamento que vai ser lido aqui por um advogado nomeado por ele. Pediria que prestassem muita atenção.

O advogado começou a ler:

- "Queridos e amados filhos. Estou muito preocupado com o futuro de ambos, pois sei de suas diferenças e crenças de vida. Vou deixar dois quadros para cada um, quadros esses que unidos formam um mapa. Através dele e juntos espero que consigam achar o caminho onde deixei tudo que guardei para vocês. Mas enquanto isso, confiei a um banco, depósitos em seus nomes para que sobrevivam até lá da forma mais sábia possível. Saibam que estou fazendo isso, por todo amor que eu e a mãe de vocês lhes depositaram. E através dele sei que um pelo menos achará o caminho certo. Todo meu amor. Jacques."

Os quatro quadros foram apontados e ambos voltaram-se para eles com um olhar sombrio.

Albert ficou observando as duas pinturas que lhe foram confiadas enquanto Charles questionava o porque de tudo isso que o pai havia feito para lhes confiar o que deixara. Pediu a seu irmão que juntassem os quadros para poder melhor compreender, e viu que formavam uma paisagem completa, mas com várias tendências misturadas. Uma pintura bem complexa, que o deixou concentrado a ponto de não escutar a voz gritante do irmão mais velho, que não aceitava o desafio.

- Parem ! - pediu ele. - Não está vendo que deve haver um motivo para ele ter feito isso, Charles ! Olhe, eu juntei os quadros e eles formam um desenho, veja só...

Charles disse algo como um palavrão e saiu batendo a porta.

- Eu falo com ele mais tarde, Sr. Duprat, ele vai ter que aceitar de uma forma ou outra.

- Que bom meu filho. Seu pai sempre falou de suas virtudes.

- É mesmo ? Que mais meu pai falou? Por favor, me conte, preciso saber.

- Seu pai me contou que você era uma criatura com um coração enorme, e conseguia transmitir isso em seus atos, em seus trabalhos, e na forma como perguntava sobre a vida para ele o tempo todo, e quando lhe pedia conselhos. Disse que era maravilhoso tê-lo como filho. Mas que você um dia teria que mostrar o mesmo para seu irmão que encara a vida sob um outro prisma. Doía muito para ele saber que Charles vivia como se o futuro não existisse, e sempre com más companhias. Infelizmente a mãe de vocês não está aqui para dizer mais. Qualquer coisa é só me procurar. Seu pai pediu que sempre lhe desse uma palavra e não vou quebrar a promessa.

- Sim, eu entendo. Agradeço muito pelo que disse. Não vou me esquecer.

Na manhã seguinte, foi procurar Charles para dizer que deixou os quadros juntos no ateliê para que pudesse estudá-lo e perguntou se não queria ajudá-lo, este disse que ia fazer as coisas da sua forma e quando tivesse tempo, pois confessava que não era tão paciente quanto ele, mas iria tentar. Disse também que não queria fazer nada junto. Queria fazer da sua forma. Albert não replicou e se foi triste com o modo sempre egoísta do irmão.

Observando o desenho viu uma árvore enorme, bem mais velha que uma casa, parecia um carvalho, com um tronco enorme, e uma mistura de figuras, como um castelo, uma chave, duas alianças sobre um lenço com as iniciais dos nomes dos pais. Tentou observar outras figuras que foi achando, pois estavam todas misturadas, e viu que o pai levou um bom tempo para fazer essa pintura. Notou uma igreja numa colina distante, num ponto bem pequeno, dois olhos fechados, e algo que o deixou a pensar: uma cruz e um cemitério. Caminhou para seu quarto e não satisfeito deu a volta e foi estudar novamente o trabalho. Tentou se lembrar de algo que podia ter a ver com aquela cruz.
Deus, era isso ! o cemitério perto da igreja. Deveria haver uma árvore enorme como aquela e algo enterrado perto do tronco. Correu para lá, achou a árvore exatamente como no quadro, tocou o chão e sentiu que em um ponto do solo, a terra estava mais úmida e fofa. Foi removendo a terra aos poucos e sentiu uma caixa de cobre, tirou-a, e achou as duas alianças e o lenço e mais uma chave. Abraçou a caixa e foi chorar no túmulo do pai, e pediu por mais sabedoria, pois não sabia o que fazer com a chave. Então se lembrou do que o Sr. Duprat lhe disse sob lhe procurar quando precisasse.

Mas antes disso, lembrou-se do irmão e foi procurá-lo. Já que sabia que o desejo do pai com aquelas quatro pinturas, era de que os dois conseguissem achar o caminho certo para suas palavras. Contou-lhe que havia achado essa chave e que achava melhor falar com Sr. Duprat sobre isso, que era a vontade do pai no desenho. Charles pediu que esperasse até o dia seguinte, pois disse que estava cansado, como sempre. Quando amanheceu, não encontrou o irmão, muito menos a chave. Correu para a residência do amigo do pai, e achou seu irmão lá. Ficou totalmente desapontado com a traição. Mas para sua surpresa, o homem o estava esperando, e viu que Charles estava impaciente andando de um lado para o outro.

- Albert, seu pai já havia me avisado que seu irmão daria um jeito de chegar aqui com a chave sozinho e se acaso o fizesse, que teria de esperar por você e tomar o segundo caminho que ele escolheu e que lhe dava muito desgosto, mas não teria opção. Venham comigo.

Seguiram-no até o banco onde o pai lhes deixara o depósito e pediu licença para conversar com o gerente. Este fez um consentimento mais tarde e então, chamou os dois jovens para a sala de cofres especiais. Com a chave abriu uma portinhola densa e retirou duas caixas. Na primeira estava uma chave e uma carta, e na segunda somente uma carta. Entregou a chave com a carta para Albert e a outra carta para Charles onde apenas dizia o seguinte:

- "Filho, infelizmente não tive escolha. Aceite os fatos agora se não quiser ficar vagando pela rua pedindo esmola. Escute o que seu irmão vai ler na outra carta."

Albert começou a ler as palavras deixadas por Jacques:

- "Meu amado filho, algo me dizia que iria acabar por entregar a chave para seu irmão que de forma egoísta iria procurar meu amigo sem a sua presença. Eis o porque dessa minha atitude como segunda opção. Mas não tenho escolha. É para o bem de ambos. Quero que administre tudo que deixei, e dê um emprego ao seu irmão , cuja parte do ganho terá que reembolsar nos estudos que largou. Se o mesmo não aceitar essa condição você deve tocar tudo sozinho sob a confiança minha depositada em Pierre Duprat. Também tem minha benção para que abra uma fundação mais tarde com os lucros advindos do seu trabalho que tenho certeza que trará muitas alegrias a outras pessoas como sempre desejei. Meu amigo vai ajudá-lo nisso, assim como vários outros amigos artistas meus já sabem dessa minha vontade e do quanto falei de vocês dois. Também gostaria de pedir que dispusesse de parte de seu tempo ensinando tudo que pode para pessoas com menos condições financeiras que você. Fiquem com Deus, e peço que ele os acompanhe sempre. - Jacques Cottard"

Albert começou a chorar e viu o rosto caído do seu irmão. Perguntou se ele aceitava as condições. Ele fez que sim. Sr. Duprat disse que se quebrasse as regras iria ser pior para ele, e que não tentasse novamente trair seu irmão.

Alguns meses mais tarde, podiam ver que Charles tentava de alguma forma estudar, e trabalhar, mesmo com as reclamações. O cansaço era tanto que não conseguia de noite curtir as noitadas com seus colegas boêmios, tão menos bancar as farras dos jogos, e percebeu que a cada semana conseguia pagar suas contas com seu próprio dinheiro. Ficara espantado com a atitude do pai, mas percebeu que ele tinha razão.

Albert deu prosseguimento aos pedidos do pai e estava muito feliz com os projetos que tinha em mente. Procurou pelos amigos dele e ficou sabendo de muitas coisas assim como recebeu muito apoio e novas idéias. Tudo como Jacques havia pintado. Um mundo melhor, como sempre sonhou...

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