Tema 182 - Primeiros anos
BIOGRAFIA
SOLIDÃO
Eva Ibrahim

Luana olhava pela janela e mal podia acreditar que estava tão longe de sua casa; queria ver o sol e sentir a brisa quente do verão brasileiro no rosto. Olhava o filho de um ano que mais parecia uma bola de roupas de lã e a tristeza aumentava; queria sua mãe e irmãos ou qualquer amigo que falasse português. A saudade era o sentimento mais presente em seu dia a dia; a mudança fora drástica e ela ainda não se adaptara á nova vida. Colocou um CD para tocar e a voz do Zeca Pagodinho tomou conta do ambiente: "Deixa a vida me levar, vida leva eu", baixinho ela completou -"me leva de volta para casa". Era tudo o que queria: voltar para sua vida antiga. Lembrou do filme do E.T. quando ele dizia:- "minha casa, minha casa" e duas lágrimas rolaram pelo seu rosto.
A neve caia lá fora e ela imaginava o sol brilhando no Brasil, as praias de águas quentes, as flores e as crianças brincando na areia.

Estava na Alemanha porque o marido fora transferido para lá, trabalhava em uma multinacional e não tinha como recusar; seu cargo era de direção e havia muito trabalho ali. Vieram sem data para voltar; há seis meses estavam em Berlim e ela ainda não acostumara com o frio intenso e as dificuldades com a língua. O povo alemão era frio, distante e sempre muito apressado.

A casa que foi cedida ao casal era grande e bonita, não faltava nada; era acolhedora e quente, mas quando saia, o frio e a neve a incomodavam muito. Os colegas do marido promoveram algumas reuniões para que ela se entrosasse com as mulheres, mas ela não conseguia conversar em alemão o que a deixava constrangida a ponto de não querer mais participar. Ficou isolada, só conversava com o bebê e o marido. Fez reciclagem para poder dirigir na cidade e passava as tardes vendo vitrines no Shopping com o filho no carrinho de bebê.

Quando resolvia comprar alguma coisa, demorava em se fazer entender e voltava para casa amuada; O marido tinha que agüentar seu mau humor. Não gostava do clima e sentia falta da família, queria voltar ao Brasil. Telefonava para a mãe quase todos os dias e reclamava que a solidão estava ficando insuportável. Luana e Romeu se desentenderam muitas vezes por ela querer voltar e ele não poder; o homem queria a mulher e o filho juntos com ele. Os costumes eram diferentes, as pessoas ficavam muito tempo dentro de casa, só saiam com destino certo; se reuniam em lugares fechados, por causa do frio rigoroso do inverno Europeu.

Ela gostava de passear a pé, sentar na praça e ficar olhando o movimento das pessoas andando nas ruas. Queria vestir uma bermuda ou um vestido leve de verão; ficar á vontade com o filho, mas parecia que o frio nunca acabava. Quando chovia piorava ainda mais, faltava luminosidade naquele lugar, queria o sol para aquecer o seu mundo. O marido insistiu muito até que ela aceitou entrar em uma escola para aprender a falar alemão; lá conheceu outra brasileira que estava na mesma situação. Fizeram amizade o que melhorou muito a sua vida naquele local. Passou a gostar da cidade e conhecer lugares lindos; O que faltava á Luana era companhia. Romeu estava mais tranqüilo, a mulher já não reclamava tanto, a nova amizade lhe fizera muito bem. As duas passavam as tardes juntas e se ajudavam mutuamente. Berlim é uma cidade grande e próspera embora seu clima frio a torne impessoal. Em suas andanças fizeram grandes descobertas de belezas naturais e arquitetônicas.

O menino estava crescendo e ela queria que ele freqüentasse escolas brasileiras e aprendesse o português, pois pretendia voltar para seu país o mais rápido possível. Disso não abria mão. Em três anos vieram visitar a família duas vezes e só não ficou aqui porque seu amor por Romeu falou mais alto. Quando já estava acostumada com a idéia de ficar lá por mais tempo, recebeu a notícia que poderiam voltar ao Brasil. Luana não cabia em si de tanta alegria, preparou as malas e em cinco dias partiriam de volta ao encontro da felicidade, dizia á amiga.

Quando desceu no aeroporto para ficar aqui e viu seus familiares, teve certeza que este era o seu lugar. Era noite, o céu estrelado e o ar quente a confortaram; esperaria amanhecer para ver o sol novamente. Aqui era verão, o calor intenso e os dias longos do jeito que ela gostava; uma grande paz invadiu seu coração.
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Depois de um mês ela teve certeza que estava grávida de um bebê concebido na Alemanha; trouxera um presente daquela terra que deixara para trás, teria um filho alemão nascido no Brasil. Embora os primeiros anos tenham sido muito difíceis, ela aprendeu a respeitar aquele povo trabalhador e sério. Guardaria em seu coração profundas lembranças daquela cidade e amaria seus filhos, aqui no Brasil, junto da família e da luz do sol.

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