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BIOGRAFIA
ASSIM, DESCONHECIDO
Ramon Franco

Primeiro foi ali, na esquina da Quinze com a Joaquim Bento - A INDIFERENÇA (ou O POMBO) era o título - e o texto descia por uma coluna de concreto do prédio da antiga cervejaria.

'O cronista perguntou:

- 'Ele é adestrado?'

De chapéu preto e camisa desabotoada até no meio do peito, bigodinho ralo, o homem respondeu:

- 'Não. Ele senta assim, deste jeito na minha mão porque tem fome mesmo'.

- 'Claro, ele gosta de pipoca, né?'

- 'É, mas o senhor toma cuidado aí, já que este pombo caga que só vendo...'


II

Depois, outro texto. Da mesma forma, perdido, aleatório no espaço e sem qualquer assinatura. A semelhança também era com a rua, Quinze, mas com a São Carlos. No muro, indiferente.

'Os passos ecoam, os ratos evacuam, os pombos 'avuam'. A todos os sinos soam que na São Bento tem pessoas 'à toam'. Lá, o tempo é tanque, litro que marca um estanque. O homem, cronista de alma própria, topou com um 'callejero'. O homem, pau d'água por natureza, perguntou o que ele 'cargava' naquela maleta:

- 'Coisas, irmão, coisas...'

- 'Tem mé, muié ou rapé? Né, mané! Eu sou Zé!'

O cronista achou-o ávido com as palavras, rimas simples, mas rimas.

- 'Poeta?'

- 'Não, não, não. Sarrista, moralista e ANARQUISTA!'

- 'Eu, comunista, socialista e saudosista!'

- 'Somos artistas!'

Finalistas'.


III


Assim, desconhecido seguiu e no antigo coreto da São Bento, uma nova passagem gravada na parede. Sem título, sem semelhança geográfica, a São Bento ficava no lado debaixo da linha do trem.

'UMA CASA.

O cronista não volta lá. A maleta tinha pecado. O cronista carregava ali todos os seus erros, por isso também um dicionário. A casa. O jardim, gramado na verdade, a lembrança de um tio que ficou, de outro que partiu. Ambos distantes. O saudosismo dos domingos, das suas tardes:

- 'Filho sai do sol! Vem passar protetor solar e depois você volta para água!'.

A represa tinha uma lontra, é verdade. Uma não, um casal. São Bento protegia os pioneiros contra as cobras. Os rueiros são como curupiras, caiporas das calçadas. Passe por eles, te pedem fumo, pinga e $ também'.

IV

Como saídos de sonhos, de fantasias, crônicas e contos, numa tarde qualquer, até então desconhecida, 'Callejero', Homem do Pombo, o Pombo, a Casa da Represa (na forma do Cronista) toparam com o leitor. O pedestre que teve a paciência e a devoção de parar nas calçadas e ler os textos deixados pelo autor nos muros, paredes e colunas abandonadas.

- Piegas? Hiperbólicos? O que dizer, então, de quem se enclausura e foge da luz de uma câmera fotográfica como o cão foge da cruz? E de quem coloca uma melancia no pescoço, exclusiva roupa preta, e, feito um pavão, pára na frente dos fotógrafos?

O leitor, preparado, respondeu:

- Ora, manda estas perguntas para o pombo, ele que coma tudo isso e, quem sabe, ele caga as respostas no pé de um outro cronista ou no seu mesmo. Afinal de contas, vai continuar escrevendo ou não?

- Sim, sim. Vale a pena. Descubra o próximo. Deverá estar por aí pelo centro, o título já tenho: 'Pelourinho (ou O alemão)'. Tchau e obrigado.

- Não tem de quê, leio até bula de remédio, mesmo.


V

Tempos. O leitor achou, só que o cronista tinha alterado o título.

'O T'DEUTO'

Um capitão-do-mato na parede e outro na mesa. Na mesa era o que o capitão-do-mato fazia, na parede sua representação. Na prateleira, a reprodução em palavras, a alma de tudo isso: o esquecimento também. Tinha bom humor e riso. 'Ele me recebeu em sua casa, naquela famosa rua que ele sempre falava, usando uma casaca róoosa e uns babadinhos bem na manga!'. O cronista perguntou: 'O senhor estranhou?'. 'Claro', respondeu o alemão centenário.

8.343

Dois homens que passaram por M... em épocas distintas: no começo para um, no final, para o outro. Ambos chegaram ao ápice de suas carreiras. Retratos de vidas, este é o recorte da travessia, como dizia o mineiro João. A migração do homem ao encontro de sua alma. Empenharam seus esforços, fazendo aquilo que sempre gostaram. E continuam fazendo'.

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