Atualização nº 187 - ESCRAVO
BIOGRAFIA
MARINA
Ana Cristina Melo

Marina balançava, sem pressa, na rede que ele instalara na varanda. A barra do vestido florido de costas nuas flutuava no sobe-e-desce, acompanhando as lembranças de como ela se deixou arrastar para aquele lugar. Seria o paraíso assim? Uma praia deserta, uma casinha na varanda, a vida fluindo sem sobressaltos, apenas manter e amar. Ela, que veio de um orfanato, que dividiu os dias com outras dez mulheres numa quitinete, que o conheceu numa outra praia; ele, que resolveu conhecer o fundo do mar, para investigar seus próprios medos, depois de enterrar o pai e abdicar de gerir a rede hoteleira que herdara.

A brisa acompanhava aquele mover modorrento de vida. Foi em um desses compassos que ela o viu sair da água; a mesma cena que testemunhava dia-a-dia, nos últimos meses.

A roupa de neoprene, colada ao corpo sem pêlos, pernas e braços cobertos; somente o rosto exposto, a máscara nas mãos, os cabelos castanhos e lisos completando os traços simétricos.

Ele se aproximou e ela fechou os olhos. Era bom entregar aos outros sentidos apenas o gosto do mar e seu toque salgado.

Ele a carregou no colo, estremecendo-a com a roupa gelada. Ele fazia questão de vê-la nua sobre os lençóis, enquanto se despia da roupa de mergulho. E assim ele se aproximava dela, subia os dedos por sua pele branquinha, que o sol não conseguia tonalizar, percorria suas curvas tão acentuadas, contornava as zonas sensíveis, se deixava esconder nos cabelos pretos e cacheados. Depois, só o silêncio de suas respirações; o gemido contido a cada penetrar. E bem depois, só a calma dos braços dele a envolvê-la, e a conversa sobre a vida que corria sem pressa, até que tivessem novamente a urgência de se amarem.

Ao acordar, ela encontrou vazio o travesseiro ao seu lado, mas sobre ele o presente, nunca o mesmo, mas o de sempre. Dessa vez, uma concha grande; cobria quase a palma de sua mão. Ela correu na cozinha. Sabia que encontraria ali o café fresco e o bilhete debaixo da xícara de café: "Eu te amo".

Voltou ao quarto. Tirou de dentro do armário uma arca de madeira. Abriu o fecho dourado. Posicionou a concha sobre suas irmãs, ao lado das pedras, destacadas entre as fotos de águas vivas e corais. O papel, ela reuniu aos outros trezentos.

Dois meses depois, ele demorou mais para voltar. Chegou já ao anoitecer. Ela, ansiosa; ele, com os mesmos beijos e toques.

No dia seguinte, Marina estranhou o presente no travesseiro. Uma caixa de veludo, vazia. Só então percebeu: reluzia na mão esquerda uma aliança fina de ouro branco.

Ela se sentou na cama, pernas cruzadas, e admirou a mão, antes nua, então ornada com sua primeira jóia. Lembrou-se do bilhete, mas teve medo de se levantar. Logo após, passos curtos, coração bombeando apressado, ela se dirigiu à cozinha. Da porta, pôde ver a ponta do papel. Sentou-se, empurrou a xícara e o pegou: "Um ano juntos, mas insuficientes. Aceita que eu te ame todos os dias de nossas vidas?"

Naquela tarde, ela passou alisando o bilhete e a aliança, até que se deu conta da ventania que batia às janelas. O rádio foi ligado para acalmar a preocupação. Ouvia a notícia da tempestade que se aproximava. Anoitecia, a ausência dele pressionando as paredes da casa. Podia ver também o mar batendo alto, ondas de dois metros, e a areia sumindo na praia. O rádio avisou dos pescadores desaparecidos. As janelas quase cederam ao vento. Telhas voavam e a noite se adensava. O som rouco e com chiados anunciou que haviam achado o corpo de um mergulhador. O homem era conhecido na colônia, mais pelas atitudes sempre reservadas. Sem documentos, a única identificação era a aliança de ouro branco.

Marina desabou no chão da cozinha. As lembranças ventavam em sua memória. Misturavam-se os bons e maus momentos. A balança nos últimos meses sobrando no lado positivo. As horas correram no piso de cimento. A manhã se preparando para empurrar a noite de tormenta. Com dificuldade, se levantou. Caminhou até a praia; o rádio, sem programação, já chiava há algum tempo. Na escuridão, seu corpo foi esmaecendo no meio da tempestade.

O teclado funcionava quase que sozinho. Os dedos da Marina que não era aquela, mas outra, em outro tempo, outro espaço, se interligavam a lembranças diferentes, nem por isso, menos pulsantes.

Não queria esse final para ela. Mas ele sim: merecia partir.

Interrompeu a digitação. Recostou-se na cadeira e fixou o olhar sobre o armário, onde pôde ver o escafandro ao lado do porta-retrato vazio.

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