Atualização nº 187 - ESCRAVO
BIOGRAFIA
ESCRAVOS DA URBE
Leila de Barros

Uma certa escravidão percebo na alma das pessoas que seguem as rotinas dos escritórios e se agitam no corre-corre da cidade locomotiva em que tento viver, sem apenas sobreviver.

Vejo rostos sonambúlicos nos trens, metrôs, ônibus em seres que deslocam-se de seus lares para os escritórios em transe ou como se participassem de um filme ao estilo Blade Runner.

Parece-me que não percebem, mas suas almas estão sendo capturadas, ou antes escravizadas pela ânsia do ter, bem mais do que pelo ser.

Ou talvez a crise seja a vilã e com ela tenha vindo a necessidade premente de sobreviver sem sentir.

Sobrevida...subvida...é o que noto nesta urbe que tem assumido o papel de um grande polvo, absorvendo com seus tentáculos gigantes cada alma, cada verso, cada peculiaridade.

Trabalha-se intensivamente e muitas horas, tanto que quase não há mais espaço para a poesia, a reflexão, o pôr-do-sol. Tudo é literalmente concreto.

Os gestos são desprovidos de espontaneidade, tudo é meticulosamente calculado - creio mesmo que até os orgasmos.

Há câmeras observadoras espalhadas por toda a parte.

Os únicos locais ainda não monitorados são os banheiros.

Estariam as pessoas fazendo poesia nesses recintos?

Não há tempo, não há abraços e nem bolos de fubá sendo servidos pela vizinha.

Nem mesmo são conhecidos os vizinhos. Existem apenas criaturas circunvizinhas que não se cumprimentam ou que rosnam à menor contrariedade.

Noto que quase não há mais diferenças entre masculino e feminino. Talvez seja bom, mas é que sinto falta dessas diferenças.

Há muito ruído, muitos sons urbanos e um fundo de percurssão ao longe que ecoa sempre atá altas horas da madrugadas, nos finais de semana. Seriam tambores?

O silêncio noturno é fonte de medo para as pessoas.

Uma certa escravidão cinzenta observo, talvez imperceptível aos olhos urbanos.

Há que se desligar todas as câmeras e começar a fazer tolices, como pintar muros, conversar na varanda, tomar chocolate quente com as crianças, soltar pipas, desenlaçar e redescobrir a delicadeza da alma.

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