Tema 189 - ANGÚSTIA
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UMA HISTÓRIA DE AMOR ANIMAL!
Doca Ramos Mello

O noticiário da semana foi tomado por reportagem de conteúdo bastante peculiar, sobre o caso de um macaco que fugiu do zoológico deixando para trás, em situação de completo abandono, a namorada "grávida"- deveria ser "prenhe", mas hoje em dia cada um faz o que quer com a língua portuguesa (vejam a porcaria da reforma recente, que só piorou a vida do idioma de Camões!), com as bênçãos até daqueles que deveriam zelar por ela, como V. Exa. Metalurgíssima, portanto mantenhamos o termo usado na mídia.

Jadilúcia Flores, a repórter constrangedora do jornal A Piada Popular, conhecida por entrevistar personagens aos quais seus colegas jamais dariam a menor bola, saiu no encalço do casal símio ora apartado, com o intuito de esclarecer o fato para a opinião pública. Encontrou o macaco em um bar badalado na Barra da Tijuca, no Rio, onde ele confessou que estava apenas se "divertindo um pouco para relaxar da dor de cabeça causada pelas circunstâncias". Mas, não revelou seu local de abrigo e marcou a entrevista em lugar diferente, sob a condição de não ser revelado seu paradeiro nem fotografado de frente.

Ela, a macaca agora solitária, foi encontrada pela jornalista num abrigo para macacas grávidas e solteiras, mantido com doações feitas à Delegacia da Macaca Abandonada e onde recebe os cuidados de um grupo de psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais e médicos. Diz ter sido agredida pelo ex-namorado.

A seguir, trechos dos depoimentos de cada um, para análise e conclusão pessoais do leitor.

O macaco-.

"Bem, se a senhora me garante sigilo total do local onde me encontro, acho que posso abrir umas coisas para o seu jornal, coisas que não foram ditas antes nas demais publicações porque afinal ninguém se preocupou em saber a minha versão... Ela sabia que nosso relacionamento era apenas de 'ficar', a senhora me entende, algo em comum acordo porque ela também dizia que não queria compromisso e... Até então, foi ótimo, a gente saía junto, curtia, íamos a diversos lugares divertidos e terminávamos a noite sempre num motel diferente... O sexo era uma beleza, as macacas estão mais liberadas hoje em dia, ela mesma arrumava umas novidades como... Bem, não vem ao caso, não seria cavalheiro da minha parte ficar contando nossas intimidades... O nó dessa coisa toda foi que ela, eu acho, ou acabou se apaixonando ou viu que o tempo estava passando, ela já não é uma macaquinha muito jovem, eu sou um macaco com boa posição financeira, etc. e tal, ela deve ter pensado em me apresentar a barriga para facilitar o casamento ou tirar de mim a famosa pensão, tá na cara... Sou bobo, eu? Nem sei se realmente o filho é meu porque tenho dúvidas se não sou estéril, sei lá, já transei tanto por aí no tempo da falta de responsabilidade sem camisinha e não aconteceu nada que... E a gente sempre foi esperto nesse particular, hoje eu não sou besta, tô careca de saber da aids, etc., ainda mais na modernidade, quando as macacas vivem por aí livremente, a senhora sabe do que estou falando, não quero parecer grosso, mas ela tinha muita quilometragem... Agora, ela vem com a pinta de colocar um macaquinho no meu colo e toma que o filho é teu, brincadeira, aí eu pulei fora, foi isso... Ah, não é bonito isso, eu sei, mas ela também não agiu decentemente me impondo um filhote - isso na hipótese de que seja mesmo meu - para eu sustentar pelo resto da vida sem discutir a questão comigo, muito menos ao sair por aí dizendo que eu bati nela, sou lá macaco de bater em companheira, eu, heim, se está a fim de se arrumar, vai trabalhar, macaca! Tô errado, madame?"

A macaca-.

"O que eu mais sinto é a falta dele, do cheirinho dele, snif... De poder catar os piolhos dele, ai, meu Deus, amo tanto aquele macaco, mas ele foi cruel, me abandonou com nosso filho na barriga, agora eu não sei o que vou dizer para meus pais, eles são muito conservadores, para ser sincera nem sabiam que eu transava, snif, calcule a minha angústia... Sim, eu era virgem quando saí com ele e conheci um macaco na cama pela primeira vez, ele foi tão romântico, snif, snif... Jamais imaginei que pudesse agir assim, de modo cafajeste, meu Deus, que será de mim?!... Não tenho formação, além disso quem vai empregar uma macaca grávida? A senhora sabe que o desemprego é grande no país, eu me vejo abandonada à minha própria sorte, meu caso de amor era uma mentira, ele me iludiu, snif... Claro que vai ter de registrar o nosso Júnior, sim, é um macaquinho macho, vou fazer o DNA e quero ver aquele FDP...(snif, perdão, estou nervosa) não me dar uma pensão bem gorda, quero ver só como ele vai se safar dessa...Tem hora que eu penso na minha desilusão e choro, snif, choro, snif, choro até não poder mais, é muito ruim para a auto-estima de uma macaca a gente ser largada esperando macaquinho, fica a impressão de que só se servia para o sexo, como um macaco pode fazer uma coisa dessa?! E a senhora fique sabendo que ele me agrediu, sim, por isso eu vim dar parte aqui na delegacia, eles me fotografaram, eu fiquei horrível com hematomas, ele foi covarde... Mas o pior de tudo, dona jornalista, é esta dor no peito, sabe, a angústia, esta tristeza por causa desse desamor que ele demonstrou por mim, snif, se não fosse pela minha cria, acho que já teria feito alguma coisa muito ruim, cheguei a pensar em comer uma dúzia de bananas envenenadas, mas não tenho esse direito, eu agora já sou quase mãe, não posso...Snif, desculpe."

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