Tema 190 - O LADO BOM...
Índice de autores
APELIDOS
Júlia Godoy Simoni

Dizem que quando uma pessoa realmente gosta de outra, ela a chama não pelo apelido, mas pelo nome. Bom, se for assim, posso dizer que nunca ninguém gostou de mim. Quer dizer... ouvi meu nome verdadeiro poucas vezes, geralmente durante as chamadas feitas na sala de aula ou então quando meus pais brigam comigo Enfim...

Quando nasci, a escolha do meu nome praticamente gerou uma guerra em casa. Meu pai queria continuar a tradição do "Z" - minhas irmãs mais velhas chamam-se Zarah, Zélia, Zilka e Zoraide -; minha mãe queria homenagear minha avó (Juventina); minha avó - que odiava seu nome - desejava que eu fosse batizada com o nome de alguma santa - e o pior é que ela era devota de Santa Ifigênia, imagina! -; minhas irmãs torciam para que eu me chamasse Ana.

Para a minha sorte, o nome "Ana" ganhou: eram quatro pessoas a favor e três contra. O problema é que, descontentes, os outros integrantes da minha família passaram a colocar apelidos em mim, buscando sua satisfação pessoal. Assim, enquanto meu pai me chamava de "Zuza" (que era o nome que ele havia escolhido para mim como uma homenagem ao seu cantor preferido à época, o Cazuza), minha avó me chamava de "Santinha". Mamãe, por sua vez, foi menos original: me chamava de "Gordinha", porque eu fui o bebê mais gordo de casa, cheio de dobrinhas. Mas o pior é que, nessa levada, ainda que o nome por elas escolhidos tivesse sido o "vencedor", minhas irmãs gostaram da brincadeira e também resolveram me apelidar: para elas eu era "Fofolete", por causa da bonequinha minúscula em forma de bebê que elas colecionavam.

Cresci sem saber ao certo quem eu era. Imagine: ainda pequena fui obrigada a adotar quatro nomes diferentes (sim, quatro, porquê o "Ana" mesmo ninguém usava). Aliás, só descobri qual era meu verdadeiro nome quando fui para o prezinho.

Foi assim: a "tia" havia feito um quadro com vários bonequinhos de papel. Na parte da frente de cada um estava escrito o nome da pessoa com letra de forma; atrás, tinham os outros traços do bonequinho (rosto, cabelo, roupinha). Todos os dias a tia começava a chamada, e a pessoa então tinha que se levantar, ir até o quadro dos bonequinhos, achar o seu e virá-lo, o que indicava que ela estava presente. Pois bem, começou a chamada: "Abel!", gritou a professora, e lá foi o garoto virar seu bonequinho; "Ágata!", e a menina se levantou e fez o mesmo; "Aline!", e Aline foi até o quadro; "Ana!", ninguém se manifestou; "Ana?". Demorou certo tempo até que eu percebesse que a professora falava comigo: "Não quer virar sua bonequinha, meu bem?". Mamãe conta que naquele dia eu respondi bem assim: "Mas você chamou a Ana, tia. Não chamou eu!", ao que a "tia" tornou a perguntar: "Então como você se chama?". Respondi: "Ah, eu gosto de 'Zuza', que é como papai me chama, mas as minhas irmãs 'mais grandes' falam 'Fofolete' pra mim. E mamãe me chama de 'Gordinha', mas eu não gosto que me chama assim; e vovó me chama de um nome que eu não lembro, mas eu sei que ela ta me chamando quando ela fala ele". A professora me explicou que eu não devia atender quando me chamavam de todos aqueles apelidos, porquê meu verdadeiro nome era "Ana". Quando mamãe chegou para me buscar, sei que acabou ganhando uma bronca.

Naquele mesmo dia, já em casa, contei o que a "tia" tinha falado para mim e perguntei à mamãe se era verdade que eu me chamava "Ana". Ela disse: "É verdade, 'Gordinha'. Você se chama 'Ana', mas eu vou te chamar sempre de 'Gordinha'". "Mas eu não sou gorda!", repliquei, ao que ela respondeu: "Mas eu gosto de você e vou te chamar assim. Quando você crescer vai entender". Quem é que pode contra o argumento de que vai entender quando virar "gente grande"? Não eu! Não naquela época...
A escolhinha é o local onde o pior de cada criança desperta. Por mais que digam que cada uma é um anjo que pode conversar diretamente com Deus - Deus ouve as crianças, é o que eles ensinam -, sempre pensei que, na verdade, crianças são verdadeiros filhos do coisa ruim. Crianças são maldosas, gostam de deixar outras crianças tristes por coisinhas bobas, e o fazem, principalmente colocando apelidos... Pois é: foi ainda no Jardim de Infância que ganhei meu primeiro apelido estudantil: "Pintinha", graças às sardas do meu rosto que se destacavam em minha pele branquíssima. "Mas pinto não é o filho da galinha? Então a pintinha é a filha da galinha!", e, daí para frente, toda vez que eu passava perto de algum dos meninos na sala eles ficavam atrás de mim fazendo: "Pó, pó pó!".

No primário a coisa piorou. Além de a maldade infantil se intensificar, é a época das "frases prontas", sabe? Mas também o meu peso aumentara consideravelmente, e finalmente o meu querido apelido colocado por mamãe teve fundamento. Eu realmente estava gord"inha", mas para os colegas da escola eu era enorme. A variedade de nomes era grande: para uns eu era a "Porca", para outros "Baleia", para outros "Bujão", mas o mais "intelectual" sem dúvida era "Almôndega". E o pior é que o xingamento sempre vinha acompanhado da célebre frase: "Gordo, baleia, saco de areia!". Sinceramente, quão desocupada a pessoa tem que ser para ficar inventando essas rimas ditas sempre entre a primeira e a quarta série? Gostaria de saber...

Da quinta a oitava série não foi muito diferente. Com o início da adolescência e o corpo mudando, meu rosto se encheu de espinhas. O resultado? Ganhei o apelido de "Pereba"! Foi a época das primeiras ficadas, mas, fala sério: quem teria coragem de ficar com uma "Pereba"?

Logo no início do Ensino Médio a "Pereba" "desemperebou". E, querendo se tornar popular ao menos uma vez na vida, escondida da mãe pintou o cabelo de rosa-chiclete. Foi a primeira vez que gostei de um apelido que me deram: eu virei "Babalu" - correspondente à brasileira do chicle Bubbaloo. Mas foi nessa época também que tive meu primeiro namorado, o Edu, que "carinhosamente" me chamava de "Foquinha" (o porquê eu nunca soube). O problema é que o "Foquinha" caiu nas graças do povo e perdurou até a metade da faculdade, quando, por causa de um seminário em que estava nervosa, passaram a me chamar de "Poke", já que só repetia o início de uma frase sem parar, tal qual um pokemón que só sabe repetir o próprio nome.

Se você analisar bem, "Poke" não é exatamente um apelido feio, já que por várias vezes fui batizada com outros bem piores. Acontece que, com toda essa troca, perdi a conta do número de vezes em que, principalmente para preencher fichas de cadastro, tive de consultar meu RG para preencher meu verdadeiro nome.

Bom, agora que você já conhece um pouco da minha história, talvez entenda a razão de eu estar há vários minutos parada olhando para o teto deitada na cama do meu namorado. Embora o Rodrigo me conheça por "Poke", ele é daqueles namorados melosos, que insistem em chamar a namorada por um apelido que só eles conhecem. "E então, Poke? Já decidiu? Olha que estou te dando uma chance, hein? Depois não vai reclamar do apelido que eu escolher". "Calma, Rodrigo!" - ouço-me falando - "Primeiro me diga uma coisa: você realmente gosta de mim?". "Puxa!" - responde ele - "Você sabe que, apesar de nosso pouco tempo de namoro, nunca houve uma garota tão especial quanto você é para mim".

Dizem que quando uma pessoa realmente gosta de outra, ela a chama não pelo apelido, mas pelo nome. Bom, se for assim, então acho que talvez tenha chegado a hora: "Ana." - digo a Rodrigo - "Me chame de Ana". "Por quê? É seu nome?". "Nunca foi... Mas talvez seja a hora de ser", digo e dou um sorriso. "Então está bem." - ele sorri de volta - "Muito prazer em conhecê-la, minha Ana". "O prazer é todo meu!"

E foi a primeira vez em que fui aquilo que deveria ter sido desde o início. E também foi a primeira vez em que eu senti que alguém, em algum lugar, realmente gostava de mim.

Protegido de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto acima sem a expressa autorização do autor