Tema 191 - DENGOS E AGRADOS
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ENTRE ETIQUETAS E ANGÚSTIAS
Sérgio G. Muknicka

"Não é irônico quando alguém diz: 'nunca me apegarei a modismos', mas eventualmente o faz? Bem, foi assim com ele, por que não pode acontecer com você também?"

Foi lá pelas onze horas daquele frio sábado de julho, de bonito céu azul, quando percebeu o quanto precisava de umas peças de roupas. Uma calça jeans e um suéter, só. Apesar do cansaço e do conforto convidativo dos cobertores, resolveu ir; afinal eram apenas duas peças de roupa.

Entrou no carro, e se sentou, e sentiu algo o incomodando. Tirou alguns papéis dos bolsos enquanto planejava o trajeto: iria a uma loja conhecida, seria rápido e metódico, depois voltaria para seu apartamento onde assistiria a um filme europeu na tevê a cabo. Feito isso, manobrou para sair da garagem cujos portões só funcionavam normalmente aos fins de semana; indo rumo ao centro da cidade.

Conseguiu estacionar depois de muito procurar por uma vaga. Saiu do veículo quando sentiu a inospitalidade. Não parecia um bom dia para se sair de casa, pois, mesmo com o belo sol, o ar estava tão seco que chegava a machucar as narinas ao respirá-lo. As ruas abarrotadas de gente apressada, mal-educada e doida para chegar em casa. Seu corpo, contudo, parecia não ligar muito para o ambiente; visto que as pernas logo começaram a marchar e os olhos a percorrer tudo, procurando algo atrativo que o fizesse parar e prestar atenção. Parecia meio letárgico, deveria ser o indiferente azul do céu ou poderia ser o frio também, já que sentia os dedos dormentes.

Repentinamente se percebeu parado olhando fixamente uma vitrine, gostou, quis entrar. Dentro da loja, um umidificador - ar artificial, claro; mas bem gostoso. A musiquinha ambiente (que não era a bossa nova costumeira) parecia mais um mantra. Batidas eletrônicas intercaladas com algo... não sabia dizer o quê. Melodia hipnótica assim como as roupas na vitrine e nas sedutoras prateleiras de madeira clara.

Já estava lá mesmo, vamos entrar. Que bonitas! Luzes redondas, claras e pequenas numa iluminação dirigida e muito planejada, os tons creme que nada interferiam naquele macio transe de algodão, lã merino e etiquetas de blusas, calças e pulôveres que nas prateleiras estavam a se exibir... dane-se.

Conversou um pouco, foi seco e direto. As vendedoras entenderam que não estava ali para brincadeiras. Ressentida, o jeans foi ao fashion week do Éden. Claro! Trocaram-na pelos esnobes veludos e algodões. Tudo ali se resolvia. Sempre haveria outros tamanhos, outras cores, outras lojas e vários outros cartões de crédito. Experimentou lãs que o pinicavam. Ah... mas ficaram tão bonitas, serviram-me tão bem.

Experimentara parcas, golas rulê, mangas compridas, curtas, camisas listradas, lisas, bordadas. Simplesmente lindo! Seria a luz indireta? Aquela música? Ou espelhos que não mostravam defeitos? Queria viver ali onde as coisas eram lindas e perfeitas, onde suas opiniões importavam e a vida andava.
Tomou uma água e continuou a tarefa do tira-e-põe. Depois de mais provas, um pouquinho mais relaxado, tomou um café e foi indo. Estava sedado e adestrado àquele ambiente, àqueles sorrisos e àquelas conversas. Esqueceu-se de todos seus princípios; mas e daí? A maioria não liga mesmo. E eu sozinho é que não vou conseguir mudar o mundo.

Depois de cinco horas, três lojas e muito dinheiro gasto, estava de volta ao apartamento gelado num bairro gelado. Se bem que o dia hoje nem foi tão ruim assim. Aqueles pensamentos inconformistas, contudo, queriam voltar. Bem, não estou nem aí, disse em voz alta, enquanto se deitava no grande sofá. Aconchegou a cabeça a uma almofada e dormiu abraçado a suas sacolas...

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