Tema 192 - MEU TESOURO!
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O DIA DO FANIQUITO
Osvaldo Luiz Pastorelli

Pregava a madeira que, por determinação dela, queria por que queria que fosse colocada ao lado do quadro que, por ele, jogaria no lixo. Cada martelada na cabeça chata do prego repercutia no cérebro, pequenas vibrações parecendo fios finíssimos de cristal a se espedaçar em todas as direções. Ao perguntarem o do porque ter feito aquilo, seu rosto mostrava indignação sem saber, foi o que notificaram, e nem porque estava na sua casa pregando a madeira todo sujo de sangue. Não soube e, veria, a saber, pois, o que dissera foi demonstrativo de que sua mente não mais possuía a flexibilidade normal.

Pregava a madeira que, por determinação dela, e que falava mais que uma matraca em noite de procissão, se surpreendeu ao ver o martelo em sua mão manchado de sangue. Olhou para a roupa também manchada de sangue. Horrorizou-se, quase desmaiou, contou o policial relatando o que ele lhe dissera para o seu superior. É não sabia dizer nem porque estava pregando a madeira quanto muito o martelo manchado de sangue em sua mão. Retrucou que estava se desfazendo do meu tesouro, lembrou mais tarde o policial.

Pregava a madeira, claro que pregava, pregava também os finíssimos fios de cristais em cada canto do cérebro. Queria tirar os cristais da cabeça, não conseguia. Contou para o policial que o martelo caíra no dedo dela. Se tivesse arrancado os cristais da cabeça à coisa teria sido diferente. Será? Perguntou dentro de um sorriso que ele somente conseguiu decifrar. Olhava para o martelo indo e vindo, entrando e saindo do seu campo de visão. Como seria se eu mudasse a direção do martelo? Acabaria com esses cristais finíssimos espetando a cabeça? E quando percebeu, se é que tinha noção, o martelo com toda a força esmigalhou o dedo da mulher. Os vizinhos tinham ouvido um grito aterrorizado de dor, um grito que cortou a tarde como um estrondo anunciando chuva. Assim que a noticia varreu os lados da casa, ninguém acreditava.

Dona Júlia, mulher de seus quarenta e poucos anos, foi quem chamou a polícia. Todos os dias ela vai às compras. Às vezes demorava mais do que o costume, mas aquele dia deu faniquito nela, conforme suas palavras anotadas pelo policial em seu relatório. Até denominou aquele dia como o dia do faniquito. Não havia terminado de percorrer todo o supermercado, quando estava na caixa registradora com o carrinho pela metade, foi movida pela urgência de ir para casa. E todo o dia passava em frente à casa dos Marteli, e quase sempre, parava para bater um papo com a Senhora Marteli. Eram amigas mais de dez anos, quer dizer, se conheciam a mais de dez anos. A amizade delas não ultrapassava a porta de entrada. Como dizia seu filho: amizade de porta de rua. Realmente, antes daquele dia Dona Júlia nunca entrou na casa deles. Caminhava intrigada diante a angústia ou aflição, não sabia como definir. Distraída, assustou-se ao ver o senhor Marteli sentado na porta da casa, falando sozinho, e com a roupa manchada de vermelho. Chegando mais perto foi que viu que era sangue. Medrosa, perguntou o que houve, ao que o senhor Marteli disse que estava tudo acabado, não ouviria mais os cristais se partindo, o meu tesouro. Dona Julia perguntou pela senhora Marteli. Com o olhar vidrado num ponto além dela, o que fez com que por duas vezes, olhasse para traz, respondeu que a senhora Marteli agora estava dormindo, que não fizesse barulho para não acordá-la. A porta estava meio aberta, portanto Dona Julia ao divisar o olhar pela porta reparou que a senhora Marteli estava caída no meio da sala. Não ligando para o homem sentado a porta, entrou sendo seguida por ele que não parava de dizer que os cristais não estavam mais se quebrando e, que a senhora Marteli não iria mais falar como gostava, ela estava dormindo. Pronunciava o dormindo num sussurro que mal dava para ouvir.

Os policiais não tiveram muito trabalho, ao chegarem encontraram o senhor Marteli conversando com a Dona Julia como se nada tivesse acontecido. Explicava como os cristais deixaram de vibrar em sua mente. Agora há uma paz silenciosa, disse ao policial que cruzou os braços dele atrás das costas para algemá-lo. Dona Julia não deixou, disse que não precisava, apesar de tudo era um homem calmo, não oferecia perigo. O policial olhou para o seu superior concordando com Dona Julia.

O senhor Marteli, condenado há doze anos, passou a vida toda e, também disseram que no tribunal quando foi a julgamento, não parava de falar nos tais cristais, o tesouro e de como tinha se livrado dele. Dizia que tinha deixado à senhora Marteli dormir, para não ouvir mais sua voz que causavam a vibração dos cristais em sua cabeça.

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