Tema 194 - EXCLUSIVIDADE
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A ÁRVORE
Leonardo Lopes

- Foi debaixo dessa árvore, meu filho, que eu fazia a hora do recreio. Hoje derrubaram a murada em volta, mas a boa árvore ficou aqui. Sentava ali, no canto da raiz mais forte, que sai da terra e na época protegia todo o meu corpo. Sempre vinham comigo uns garotos da turma, o seu tio Bené, e outros que você não conheceu. Aqui fiz grandes amizades. No recreio, cada um trazia um troço diferente, uma fruta, um doce que a mãe fazia, era uma festa danada. Fiz as amizades na base dos lanchinhos. E vou te contar por quê.

Quando eu era da escola, ninguém gostava de mim. Na verdade sempre foi assim. Eu achava que era por ser muito feio, mas foi seu tio Bené quem me falou, anos depois, que não era por causa disso. Nem por causa do sotaque nordestino. O Bené tinha perdido o sotaque rapidinho, mas eu não. Eu era muito ligado na sua avó e falava tudo rapidinho, engolindo as sílabas. Os meninos da escola riam de mim, mas eu também achava graça. Quando eles ficavam mangando demais, fazia uma mágica daquelas de moeda que some entre os dedos e eles ficavam caladinhos, olhando pra mim, pedindo pra fazer de novo.

Mas o Bené me falou que eu era ruim de fazer amigo, não por causa da feiúra ou do sotaque, mas por causa da exclusividade. Fiquei olhando pra ele, nessa época a gente já era adulto, e te juro que se ele não fosse meu irmão mais velho, não levava a sério. O porque disso, me falou, era que quando me via com os outros, percebia que eu só queria aparecer para alguém, mas não tinha nada a oferecer, e isso não atraía amigo. Porque para o amigo de verdade, fica aquela sensação infantil e um pouco egoísta de que a gente tem exclusividade. É isso aí, é isso mesmo. É a exclusividade do momento, igual a esse nosso aqui, de compartilhar um pensamento, da cumplicidade. Ele achava que eu não tinha isso. "Zé, quando o pessoal te conhece não sente que você faz diferença. Você faz mágica, chama atenção, mas não faz raiz no coração das pessoas. Por isso você vive dando presentinho pra todo mundo". Ele me disse, Toninho, que até com os meus filhos eu era assim. Você acha isso de mim? Não, pode falar, eu não me incomodo, sabe o que é que acho no final? Que ele estava cheio de razão. Eu fui assim mesmo, sempre falei demais e deixei menos tempo pra ouvir, me achava o grandão, e olha aí no que deu. Eu sou mesmo é inseguro!

- O senhor sempre foi bom pai...

- Mas eu trouxe você aqui na árvore, na cidade que nasci, pra mostrar onde foi que eu passei a minha infância. Essa árvore aqui é uma mangueira. Quando chega dezembro, ela fica cheia de frutinho, a meninada trepava em cima, pegava fruta e a inspetora gritando na orelha da gente. A gente comia muita manga daqui. Ainda bem que o pessoal daqui é bom e deixou a gente entrar. Sabe por quê?

- Por quê, meu pai?

- Porque acho que a gente não volta mais aqui... Sempre que eu penso na árvore eu lembro do Bené me falando da exclusividade. E isso me incomoda um pouco. Afinal, cada um vive como pode e como Deus manda. Não é mesmo?

- É, fiquei preocupado agora. Eu acho que vou no mesmo caminho do senhor...

- Do quê, da falta da exclusividade? Nada disso meu filho, você vai ser diferente.

- Está muito quente, aqui, pai. Vamos embora?

- Vamos. Pena que não tem manga... Nós vamos voltar aqui e trazer o Bené...

- Mas o senhor não disse que a gente não voltava mais aqui?

- Eu disse. Eu sempre digo. Não pra fazer medo em ninguém.

- Então por quê?

- Não sei. Acho que é culpa que me dá. Acho que, na vida, é ela que me faz continuar tentando...

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