Tema 195 - TRAPAÇA
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O PAGAMENTO
Vanderlei Antônio Araújo

Justino foi trabalhar para o Coronel Venâncio com o propósito de juntar um dinheirinho e melhorar de vida. Sua esperança de ganhar um bom dinheiro, porém, durou pouco. Bastaram alguns dias na fazenda para se inteirar da maneira pela qual, os trabalhadores do coronel eram explorados, principalmente, quando precisavam de alimentos ou adquirirem algum objeto de uso pessoal. Assim, em vez de ganhar muito dinheiro, passou a acumular dívidas que o prenderiam ali por mais tempo do que pretendia. Um sentimento de revolta o invadiu e trouxe também a necessidade de sair dali, de se libertar daquela escravidão.

No entanto, sem pagar a divida era impossível. O coronel não deixava. Após muita discussão e ameaça de denunciá-lo, o coronel aceitou que saísse, mas só depois de assinar uma nota promissória. Não tinha outro caminho. Do contrário, acabaria seus dias naquele lugar, pagando e fazendo dívidas. O coronel era um homem poderoso. Amigo do governador, tinha o delegado e a polícia a nas mãos. Uma pessoa sem escrúpulos e perigosa, que se aproveitava da situação dos mais fracos para se enriquecer.

Alguns meses depois que saiu da fazenda a nota promissória venceu. Propositadamente, não foi acertar a dívida com o coronel. Não tinha como pagar. Gastara suas economias com um sítio que recebera de herança do pai, recentemente falecido. Quieto no seu canto pusera-se, então, numa tocaia defensiva pensando, pesando, cal-culando, pois não podia e nem pretendia pagar aquela dívida.

Cansado de esperar, o coronel mandou-lhe um recado. Quem levou foi o capa-taz. Um matuto forte, criado na fazenda, acostumado a lidar com gado bravo e fiel como um cachorro. Naquela noite, Justino estava sentado na sala, fumando seu cigar-ro de palha e pensando na vida, quando bateram a porta com força. Manteve-se perfeitamente imóvel, fumando e pensando. Bateram insistentemente e o chamaram pelo nome. Aí, levantou-se e foi atender. Não ficou surpreso ao ver o capataz. Há muito tempo o esperava. Ele entrou e passou logo o recado:

-Toma muito cuidado, porque a coisa vai ficar feia para o seu lado. O homem mandou lhe dizer que vai tomar as devidas providências para fazê-lo pagar a dívida. Se você não for logo acertar o pagamento, ele vem aqui com o delegado, prende você e o deixa passar um bom tempo na cadeia. Ele não vai deixar por menos. O coronel não gosta de perder.

Deu o recado e saiu. Justino não se intimidou. Na manhã seguinte, um pouco antes do meio-dia, foi até a fazenda falar com o coronel, e propôs rolar a dívida. Co-meçou dizendo que queria pagar, mas não tinha conseguido juntar o dinheiro todo, por isso, precisava de tempo. O coronel, porém, estava irredutível. Não prorrogaria a dívida de jeito nenhum, nem se a mãe o pedisse, principalmente, porque estava atra-sado. O pior, teria que pagar com juros e multa pelo atraso. Justino não viu no coronel nenhum indicio de que não usaria a força, caso fosse preciso. Voltou para casa com a mesma disposição de não pagar a dívida, pois tinha a esperança de encon-trar uma maneira de escapar daquilo que considerava um roubo legalizado.

Dois dias depois, o fazendeiro mandou outro recado. Para seu desgosto, o portador lhe assegurou que, se no dia seguinte, de manhã, ele não fosse pagar a dívida, o homem viria com a polícia. Justino estremeceu. Pelo visto, o coronel não estava brincando. O homem não estava disposto a rolar a dívida de jeito nenhum. Dívida, que não passava de uma ninharia, uns míseros reais.

De manhã quando se dirigia à fazenda do coronel, viu próximo à cerca, o cava-lo preferido dele. Aí, teve uma ideia. Com certeza aquela ideia o libertaria, para sempre, da dívida. Voltou para casa e esperou anoitecer.

Quando chegou a fazenda o fazendeiro já estava deitado. Justino bateu a porta. O coronel zangado, gritou que voltasse no outro dia. Ele em voz alta falou que viera pagar a divida e pediu que ele trouxesse a promissória. O tom de sua voz refletia uma calma verdadeira e o homem não teve dúvida. Mandou que esperasse.

Alguns minutos depois, apareceu trazendo a promissória. Justino apontou para o vulto de um cavalo amarrado embaixo da árvore em frente ao curral e disse que não tinha dinheiro, mas trouxera um cavalo para pagar a dívida. O fazendeiro viu e gostou. Ficou satisfeito, mais pelo fato de ser um divida difícil de receber do que pelo animal, que mal podia ver. Rasgou a promissória na frente de Justino, desobrigando-o da dívida. Depois, mandou que soltasse o animal no pasto e fosse embora porque queria dormir. Antes de fechar a porta, esperou para ter certeza, e viu Justino soltar o cavalo no pasto.

Pela manhã, o coronel aproximou-se da janela, os olhos pendulando entre a pastagem e as cercas de arame, sinuosas e infindáveis, marcando a vastidão da sua propriedade. Sentia-se calmo. Prendeu a respiração com a mesma sensação de quem vê o paraíso. Mas o fascínio, só durou um instante, pois foi interrompido por uma descoberta desconcertante: viu apenas um cavalo, o seu predileto. Nenhum outro mais. Compreendeu, então, que fora trapaceado por um matuto.

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