Tema 197 - TEMA LIVRE
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NOSTALGIA
Rodrigo Janjopi

Até hoje não consigo mensurar a falta que sinto dos meus pais, já partiram há quase uma década, mas ainda se fazem presente em nuances e detalhes em minha memória. Sempre que passo por uma praça e vejo um senhor nos idos de seus 50 e poucos anos lendo jornal lembro do meu pai, um sujeito calmo, que passou para mim o gosto pela arte, cultura e música. Lembro de quando eu era pequeno e íamos caminhando pela rua discutindo um último filme assistido, ou quando íamos para galerias discutir o meu duvidoso gosto pelo abstrato. Da minha mãe lembro dos carinhos, dos excelentes salgadinhos, principalmente nos aniversários servidos numa toalha quadriculada, lembro dos seus cabelos ondulados e do sorriso sincero e generoso que dava sempre que estava feliz. É engraçado de pensar que nos poucos 17 anos que passei junto a meus pais, até que um acidente de carro tenha tirado eles de minha vida, não me lembro de momentos tristes.

Éramos uma família humilde, pouco dinheiro, mas muito amor e compreensão, tinha em meus pais amigos sinceros e não havia um só colega que não queria posar em minha casa para ouvir as histórias de terror que meu pai contava na penumbra do quarto.

Vivíamos bem apesar das dificuldades, meu pai, um operário competente, ganhava pouco pelo tanto que trabalhava, mas gostava do serviço, dizia que ao trabalhar fisicamente sobrava mais tempo de gastar os neurônios com as coisas que gostava, e como gostava, teve pouca instrução na escola mas a vida e seu senso e curiosidade lhe deram status de doutor, não havia sequer uma coisa que não tinha uma teoria, e convencia a todos com o linguajar embolado e sua voz melosa, lia de tudo, desde bula até tratados internacionais, morávamos perto da biblioteca municipal da cidade, que no fim tornou-se uma extensão de nossa casa, adorava os filmes, sentia verdadeira paixão pela sétima arte, assistia todos os gêneros, mas tinha a predileção pelos filmes de velho oeste.

Já minha mãe era menos letrada, mas infinitamente amorosa, sempre envolta de seus quitutes feitos por encomenda para ajudar no orçamento da casa, lembro que ia com ela no nosso fusca branco entregar salgados pela cidade à fora, íamos sempre embalados pelo som que vinha do rádio original do veículo. Nunca esqueci do seu rosto, seu sorriso e seus óculos que guardo ainda hoje de lembrança, era a melhor mulher do mundo, tem dias que ao me deitar chego a esperar ela aparecer para terminar de me cobrir, me perguntar sobre o meu dia e me dar um beijo de boa noite. Lembro do dia em que quebrei o braço e ela passou o dia a me fazer carinhos no sofá de corvim marrom de nossa casa, lembro de quando chorei as magoas do meu primeiro amor em seus braços, ela dizendo que haveria no mundo muitas outras para chorar, mal sabia eu que aquilo seria verdade.

As lembranças vem como flashes, relâmpagos na antiga casa, que conservei do jeito que ela era quando eles faleceram, não consegui morar nela por causa da saudade, mas ainda a tenho, fechada, e algumas vezes passo por lá para reativar minhas lembranças. Caminho pelo corredor lateral que dava entrada da casa, da sala de tv que era combinada com a cozinha, me lembro de todas as vezes que assistia desenhos na nossa velha televisão, ouvindo minha mãe cantar a última do Roberto Carlos enquanto cozinhava. O sofá, que a muito ainda já perdeu a cor, a estante marrom escura com aspecto antigo, a tv de 14 polegadas sem controle, com um enorme botão seletor, e os quartos, o meu e um pouco mais a frente o do meus pais.
Até hoje, lembro naquela noite que sem dúvida foi a pior da minha vida, muitas pessoas me abraçavam dizendo que a dor ia passar, infelizmente ou felizmente tal informação não era verdadeira, se alguém esqueceu os pais que já se foram, não os culpo, mas não eram os meus, verdadeiros heróis a quem tento todo dia honrar a memória, me formei, cresci na vida, constitui família e hoje espero ansiosamente os poucos meses que me separam de me tornar um pai.

Sei que não serei um décimo do que meu pai foi pra mim, mas me esforçarei para passar para ele os valores que exaustivamente meus pais deixaram, e sinto um aperto constante no peito ao pensar que meu filho não ira conviver com eles que seriam, sem qualquer dúvida, os melhores avós do mundo.

Não conheço você leitor, mas aos que ainda podem, faça um favor para mim, abrace; beije com vontade; diga o quanto ama; converse; brinque; chame para passear; olhe nos olhos deles e diga o quanto são importantes para você; diga que sem eles você sequer teria nascido; agradeça a paciência que tiveram quando pequeno, com medo, deixava a luz acessa; quando você fez birra no supermercado por um brinquedo que sequer precisava; quando você os magoou com palavras ofensivas por estar nervoso sem razão; quando não escutou os seus dizerem caçoando por serem de outra época; amem intensamente seus pais, hoje você pode não se dar conta, mas um dia com certeza vai concluir o quanto foram importantes para você.

Meus caros amigos, não é dado o poder de voltar no tempo e muito menos controlar o futuro, mas tenho certeza que podemos moldar o agora, por isso não deixe para depois ou fique remoendo o que é passado, viva o momento.

Aos que se encontram na mesma situação que eu, meus sentimentos, sabemos que nada no mundo vai tampar as feridas de nossos corações, aos que ainda tem a possibilidade parabéns e aproveite cada minuto.

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