Tema 199 - DAMA-DA-NOITE
Índice de autores
NATALINA
João Batista dos Santos

Fiquei algum tempo no forró. Como o movimento não estava bom fui até o ponto de ônibus pegar um lotação pra talvez tomar umas no centro da cidade. Sentei ao lado de uma mulher um tanto feia e um tanto velha. Como eu não tinha pegado ninguém naquela noite resolvi abordá-la.

- Você estava no forró?

Apesar de parecer meio triste ela ficou contente com a minha investida.

- Estava.

- Vai pra casa agora?

- N ão sei, acho que sim.

- Parece que você está meio triste. O que houve?

- Nada, é que hoje é véspera de Natal, né?

- Ah, eu sei, nessa época a gente fica meio deprimido mesmo.

- Pois é, no nascimento de Jesus e ainda mais que o meu aniversário é hoje.

Apertei a mão dela e dei-lhe uns beijos no rosto.

- Meus parabéns. E por que você não está em casa? Não fez festa?

- Não, eu sou sozinha. E minhas amigas e parentes viajaram.

- Ah, que pena...

- E por isso que meu nome é Natalina... Por ter nascido nas véspera desse dia tão lindo.

- Poxa, que beleza de nome. Muito prazer, Natalina.

- Pois é, eu fiz uma ceia em casa, comprei até vinho, mas não tive coragem de comemorar sozinha.

Percebi que era a minha deixa.

- Se você quiser eu posso ir lá na sua casa, comemorar com você, Natalina.

Ela ficou meio indecisa. Mas cedeu.

- É. Parece uma boa ideia.

- Não vai te atrapalhar não?

- Que nada. Você é tão bonita. Separada?

- Não, sou solteira mesmo.

Só podia. Feia daquele jeito.

- Mas você é tão linda. Onde você mora?

- Lá no Vivi.

- Olha, está chegando o ônibus. Vamos lá então?

- Vamos.

No terminal, tomamos outro lotação pro conjunto onde a fera morava.

A casa popular dela até que era bem arrumadinha. Cheguei e já fui abrindo o vinho pra encarar.

- Feliz Natal, Natalina. Parabéns pelo seu aniversário. Deixa eu marcar seu telefone antes que eu me esqueça.

- Olha, esse aqui é do serviço, esse, de casa. Você jura que vai me ligar?

- Juro.

Depois de algumas garrafas de vinho e de alguma fraca resistência dela transamos no sofá, perto do presépio.

Sorte que aí ela dormiu.

Não gostei nada dos peitos caídos dela. E nem de ver que quando ela comia, principalmente nozes, sua dentadura de cima se mexia. Mas não foi por isso que quando eu fui embora, levando os santinhos e bichinhos de plástico do presépio dela, fui chutando-os, rindo meio amargurado, pelas ruas escuras do Vivi, enquanto procurava um ponto de ônibus.

Por força do hábito, ou, talvez, por sincera compaixão, deixei uma nota de cinquenta perto dela.

Protegido de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto acima sem a expressa autorização do autor