Tema 029 - NO MEIO DA ALEGRIA
BIOGRAFIA
O ZAZ
Samuel Silva
Quem já não participou de uma sala de bate papo na rede mundial de computadores?1 Eu já, confesso satisfeito, principalmente no ZAZ quando não era Terra. Bem melhor dizer que freqüenta o ZAZ, pois "freqüentar o Terra" é meio redundante ou parecemos extraterrestres em visitas ocasionais.

“- Zorg, meu rapaz, você freqüenta o Terra ou preferes o clima mais vaporoso de Vênus?”.

Bom, naquela época heróica em que os apelidos eram Dianas, Madames, Duquesas, etc., a conversa era aberta, mentirosamente franca, alegre, para cima; outro dia voltei lá e encontrei apenas apelidos de alcova em casas de baixo meretrício. Nada contra o meretrício, baixo ou alto, mas numa sala supostamente destinada a pessoas de 30 a 40 anos, atualmente assistem-se diálogos de conotação sexual em linguagem chula e estrutura gramatical tatibitati:

 

15:59:06 - Tesão (H) sussurra
para VAGABA:
Si minha lingua é digital ti lambo toda de ponta cabessa.2

 

Voltando àquela época - evidentemente estou passado até para a sala 30 a 40 anos com isso de "meu tempo", "aquela época" - era uma farra gostosa, quase ingênua não fossem os diálogos às vezes românticos, às vezes picantes, outras mesmo a sério, em um estilo confidente. Brincava-se com os apelidos uns dos outros, falava-se do último encontro "real" que aconteceu naquele barzinho perto do Shopping (paulistas, claro!) ou perto da praia (cariocas, claro!) ou no "Ola" (gaúchos, claro!). Aliás, como tinha gaúcho no ZAZ, por obra e graça de circunstância do provedor, então, ser dos pampas (Nutecnet, alguém lembra?). Hoje acho que é português, não?

Trocavam-se poemetos, amores e traições virtuais, receitas de petiscos, de remédios para ressaca, endereços de sítios na rede mundial, banalidades, trivialidades que eram a correta introdução aos relacionamentos que poderiam ou não se tornar reais, namoro ou amizade.

Eu sei quando isso acabou e reputo dois os culpados: um o próprio ZAZ, que começou a inserir, a cada dez ou quinze minutos, uma mensagem institucional do tipo "Você vai viajar? Visite a seção de turismo do Zaz" em meio ao alegre e saudável diálogo entre os presentes, e o outro, na minha opinião, foi a "Desconsolada".

Desconsolada, presumivelmente uma mulher, entrou na sala e mandou uma mensagem a TODOS perguntando o que ela deveria fazer com o marido, tendo encontrado um preservativo usado no porta-luva do carro do referido.

Obviamente, TODOS acharam que aquilo era uma brincadeira de ALGUÉM que estaria se clonando (entrando com outro apelido na mesma sala através de outra janela do navegador).

"Bonito", de Mato Grosso do Sul, tentou levantar o moral da moça, como Poliana pantaneira dizendo que ela deveria agradecer o marido que tinha por ele usar preservativo em tempos de SIDA e outras menos cotadas.

"Sandy" opinou que era claramente um abuso machista do marido da "Desconsolada" que se arrogava o direito de traí-la. Na verdade, "Sandy" já o mencionou como "ex-marido" da "Desconsolada", pois ela certamente não aceitaria menos do que o divórcio com polpuda pensão e vantajosa partilha dos bens.

O "ZAZ" entrou para dizer que a NutecNet estava lançando um novo plano de acesso discado, convidando TODOS, leia-se então incluída a "Desconsolada", embora ninguém tenha atinado no que isso serviria à esposa que se julgava traída.

"Gralha", incorporando inusitado espírito, afirmou que o "maridinho" devia ser homossexual e que aquele preservativo era apenas o resíduo de uma louca noite de luxúria dele, com o seu amante, dele e não da "Desconsolada" e, fiel ao seu estilo solidário, ofereceu-se para consolar a "Desconsolada" e vingá-la, desde que ela apresentasse um laudo médico negativo de HIV.

Nesse rumo seguiram as intervenções por certo tempo, enquanto a "Desconsolada" tentava se consolar com a história de seu namoro, noivado e casamento, lembranças de noites doces e quentes. Depois, talvez cansada ou tendo perdido a conexão, foi-se "Desconsolada" e não seria mais lembrada se no dia seguinte a "Malukete" não trouxesse a notícia lida em jornal daquele dia:

"Mulher se mata sufocada ao engolir preservativo (usado) após navegar em chat da internet" 3

Matou-se e matou a sala, em meio à alegria que perdemos.

1 - Para entender por que não escrevo "chat na internet", favor ler "O Probl", neste mesmo site.
2 - Os dois esses na cabeça não são um recurso em face da má configuração do teclado.
3 - Citação literal, donde não substituídos os estrangerismos.

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