Tema 032 - NA CONTRAMÃO
BIOGRAFIA
FANTÁSTICO
Fernando Zocca

Sempre fui diligente e trabalhador. Nada mais próprio de um ingênuo. Acordava as seis da manhã, saía para o trabalho e só voltava pra casa quase às onze horas. Pegava o último trem e vinha apertadinho com o coração triste com tanta safadeza que eu via todo dia, sem poder fazer nada.

Quando acordei vi que já estava velho para conseguir alguma coisa, mas tentaria. Consegui um emprego numa transportadora e ai, meu amigo, as mesmices todas começaram a mudar.

Quando ocorriam acidentes com os caminhões da empresa, providenciava laudos, digamos periciais, falsos que continham todas as características ensejadoras da obrigação das seguradoras em pagar os danos sofridos.

Consegui tanto sucesso que torcia para que os motoristas que saiam com suas cargas se arrebentassem todos nas estradas. O seguro é claro pagaria a quebradeira e eu por meios que deixo de citar aqui no momento, recebia boladas enormes, comparáveis somente com aqueles prêmios da loteria esportiva, ganhos de forma artificial.

Notava que os amigos, que antes riam de mim, agora me olhavam perplexos ante meus carros importados e roupas caríssimas.

Aproximavam-se com aquelas expressões que denotavam surpresa e receio, alegria e medo, perguntando de forma tímida, qual seria a receita para tanto sucesso.

Mas eu não dava bola para o azar. Comecei a estudar e me formei. Comprei casa para minha mamãe, aliás, hoje bem velhinha coitada, e estudei meus filhotes. Um deles veja bem, até conseguiu ser nomeado gerente geral de importante companhia governamental.

Mas tudo a custa de muito sacrifício. E dizem as más línguas que não se consegue a fortuna e a riqueza trabalhando. Ora veja.

Hoje com a grana que possuo, tenho muita influência. Posso dizer que disponho da sorte de muita gente. Em conluio com alguns outros espertos membros desta notável sociedade, é possível afirmar que são raros os que de nossas tramas escapam.

Posso asseverar com a segurança de quem tem bastante verba pra gastar que muitos, vergados sob as obrigações de seus serviços humildes rogam aos céus para que possam prestar trabalhos avulsos para mim, mediante gordas recompensas. E como a idade vem chegando nada mais próprio do que me achegar a uma instituiçãozinha religiosa. Serve para pagar os pecados cometidos e pedir proteção a Deus.

Posso dizer-lhe que realmente subi na vida sem fazer muita força. Mas não vou lhe dizer que não impedirei que os outros façam o que com muito orgulho fiz sozinho.

Alguém pode negar que eu não esteja na contramão da história?

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