O DOUTOR MORTE
Fernando Zocca
 
 
Era um dos melhores e mais conceituados médicos daquela sociedade.

Estava absorto com idéias e projetos específicos que levariam a saúde para milhares de pessoas.

Mas por inadvertência do destino e contratempos inesperados alguns problemas financeiros cresceram de tal forma que começaram a atormentar sua alma.

Agigantaram-se com tanto ímpeto que ele não via saída e resolução em curto prazo. Por isso ao ler uma história sobre um tal de doutor Jekil inspirou-se.

No dia seguinte ao que fora o pior de sua vida, ligou para o seu corretor de seguros e contratou seus serviços. Ambos providenciariam os papéis. A segurada seria a sua melhor e mais querida empregada doméstica. Ela não sabia e não poderia saber jamais que as contas de seu patrão inadimplente eram as causas e os motivos de torná-lo o seu pior inimigo, oculto e mortal.

Não poderia ela nem ao menos pressagiar que os adversários hipócritas eram os mais graves e perigosos que os inimigos francamente assumidos. A perfídia era a arma predileta dos que compunham essas súcias.

Naquele dia ela completaria sessenta anos e receberia uma apólice como presente.

A infeliz nunca saberia que o beneficiário de sua própria morte seria o presenteador galante.

Mais alguns meses e a fim de curar um resfriado qualquer, na seringa, o doutor morte colocou o cloreto de potássio. E como um escorpião feliz assistiu a agonia daquela que o aterrorizara por tantos anos, com as terríveis cebolas nos almoços e jantares.

Os dias passaram rapidamente. As conseqüências não fugiram muito das esperadas.

O doutor morte, para ironia do destino, foi contratado a peso de ouro por uma clínica médica geriátrica.

Nos 19 anos que se seguiram sob seu gerenciamento o tempo de vida dos velhinhos reduziu-se para o mínimo possível.

Enquanto isso as riquezas todas que se deslocavam dos patrimônios vacantes engordavam as contas bancárias do facultativo incauto.

Até que um dia toda a verdade veio a tona.

Sob tratamento psiquiátrico, o doutor morte escolheu por sua livre e espontânea vontade a eletroconvulsoterapia como possível e provável mitigador das condenações pelo judiciário. A técnica utilizava equipamentos importados. O que diferenciava os procedimentos atuais dos aplicados antigamente, era a utilização da anestesia antes dos choques.

Mas isso, entretanto, de forma alguma impediu que a justiça cumprisse com o seu dever. Condenado a mais de 106 anos de prisão, o doutor morte aguarda na cadeia o dia em que ao pó voltará.

 
 
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