MADAME E AS PRIMAVERAS DESCONHECIDAS
Bárbara Helena
 
 

Assim que colocou o pé no tapete, a voz macia anunciou:

- Feliz Aniversário, Madame!

Teve vontade de gritar que não havia nada feliz em viver mais do que a pele.

O sol fora empurrado pelas cortinas entreabertas. Sol de vinte anos, ofuscando as pupilas, gastas de luz néon.

- Traga o café, Carla. Preto e quente, por favor.

Sorriso malicioso deslizava pela boca entreaberta da auxiliar:

- Há uma surpresa para a senhora...

Madame guardou o gesto de impaciência. Odiava as surpresas anuais. Suspirou e vestiu o roupão. Face macilenta no espelho, rugas e olheiras. Excesso de vida e vícios.

Carla trouxe o café forte e ela tomou de uma vez, aquecendo a garganta seca. Pegou o cigarro e aproveitou lentamente a tragada.

Depois desceu os degraus devagar.

As meninas estavam reunidas no saguão. Riam excitadas e cantaram ao mesmo tempo um desafinado Parabéns que madame afastou com enfado.

Aceitou os beijos de batom e fumo, bocas molhadas, jovens, vontade de morder esta maçã pérfida. Doce pássaro da juventude que nos engana.

Madame sorriu falso e tragou mais uma vez, engolindo o enjôo.

- Surpresa! ...

Aterrada viu surgir atrás das mulheres a imagem de Adonis nu e esplendoroso. Exatamente como era aos vinte anos.

Quatro décadas se esfacelaram e ela ruiu junto.

Gritos, pulso sendo esfregado com colônia, choro e ranger de dentes: Madame, por favor, Madame. O jovem Adonis ou seu clone ainda estava lá quando abriu os olhos.

- Podem me explicar que marmota é esta?

- É seu presente, Madame. Levamos meses procurando um rapaz parecido com aquele do retrato.

- Queriam me presentear com o passado, suas tontas?

- Madame sempre guardou o retrato com tanto amor... pensamos que...

A velha puta fechou os olhos, mas a imagem de Adonis permanecia ali, belíssimo, amoral, feiticeiro. Impossível uma semelhança maior. Só podia estar ficando louca, senil. Nem um filho seria tão igual.

Levantou o braço e ordenou ao rapaz que subisse. Se o estupro era inevitável, melhor acabar logo. Ia gozar de novo nos braços de ontem.

O jovem tinha olhos estranhos, antigos, olhos sábios. Talvez não fosse tão jovem.

Madame subiu a escada devagar, admirando a bunda firme e a coluna perfeita. Lembranças estimularam seus sentidos e ela sentiu pulsar outra vez a vagina gasta.

Quando chegaram ao fim do corredor, ele a tomou no colo, como antes e ela suspirou. Adonis a jogou na cama e madame viu os cabelos louros encaracolados de sempre enquanto desmaiava de prazer.

Abriu as pernas, o corpo, o passado, para receber o único homem que lhe deu prazer de verdade. Morreu mil vezes até a definitiva.

Quando as meninas subiram para acordá-la, no dia do seu aniversário, estava gelada há horas.

Ao lado da cama o retrato quebrado de um amante desconhecido. E vestígios de gozo masculino nas cobertas.

Supersticiosas, não procuraram explicação - queimaram os lençóis e enterraram Madame com o retrato.

Alguns dias depois, um rapaz apareceu pelo anúncio de barman. Carla, a nova Madame, sentiu um baque no coração.

- Mostre seu currículo... como é mesmo seu nome?

- Adonis.

Voz de mil primaveras desconhecidas.