CHUVAS DE VERÃO
Bárbara Helena
 
 

"estranho no meu peito, estranho na minha alma
agora eu tenho calma, não te desejo mais "

Então era ele.
Um vento fino desfazia as palhas dos coqueiros, balançando vigorosamente ao meu lado. Areia escura de inverno, céu pesado.

Era ele, sem dúvida.
Caminhando devagar e inexoravelmente na minha direção.
Olhei para o outro lado, pensei atravessar. O trânsito fluía pesado empurrando minha decisão para o ridículo.

Melhor enfrentar.

Ele continuava como onda de verão, sem alterar o ritmo.
Logo estávamos frente a frente num Oi desajeitado.

Tudo bem?
Tudo.

Tudo mal, tudo péssimo, incolor, desprezível depois do tsunami da sua presença.
Engrenei a segunda:

E você? Como vai?
Trabalhando muito.

Sorriso forçado, um pé apoiando a corpo, depois outro, vontade de sentar no meio-fio e chorar.
O vento se tornou mais frio, chuva fina granulou e nós plantados, semeados de embaraço.

Eu também.
È a vida.
Tanto tempo!...

Sorrisos convencionais.

Pois é.

Pela primeira vez o encarei. Rosto sulcado, marcas, buracos, nunca tinha notado. As lembranças, fragmentos: linha do queixo, boca, beijos, camas. Parei.

Ele era feio.
Sempre fora? Memória traidora não me ajuda, os ombros tremem de frio, molhados.

"É desconcertante rever o grande amo"r
Chico segreda no meu ouvido.

Bom, tenho que ir, caminhada, sabe como é...
Claro. Eu também vou continuar...
Bom rever você.
Muito bom.

Mentimos juntos enquanto as mãos se despedem debaixo da chuva.
Ao longe um temporal se avizinha.
Ando sem alma durante muitos séculos ao lado dos coqueiros torcidos.