PARA SEMPRE, BILLIE
Bárbara Helena
 
 

(A l'ombre de Nous Restera toujours Au noms de l'amour Un gout d'eternite)

Hoje os Cigarette Blues não existem mais. Foram dinamitados.

Em parte por mim, com os tiros que dei no cliente, em parte pela própria vida onde tudo vira morte.

Quando saí da prisão, Mimi cantava num conjunto de forró, vital como sempre, mais pesada e mais velha, pegando caminhoneiros com a voz sensual e o corpo de sereia gorda. Marina fazia backing num conjunto de rock adolescente, dormia com o líder, fascinado por ela como todos os homens seriam até o último dia da criação. Arrumou um bico de guitarrista para Billie, coisa de substituir titulares, suprema humilhação para um blueseiro de primeira. Bebida e muita droga descontavam o preço.

Billie estava cada vez mais magro e acabado. Marina continuava roliúdi, pele de princesa, olhos azuis e amargura. Desconfio que nunca vai envelhecer, Marina vai morrer de repente e virar estrela no céu.

Os outros, se arrumaram aqui e ali. Sobreviventes.

Eu não queria mais cantar. Nunca mais. Depois dos Cigarettte blues, lantejoulas de bruma, noites de esquece e lembrar, não queria fantasmas de mim se agarrando a farrapos.

Fui trabalhar numa loja, vendendo discos. Logo os amantes de blues me reconheceram como bússola e me tornei querida. Uma forma patética e triste de querer, mas pagava as contas da solidão.

Há muitos anos não via ninguém do grupo.

Um dia, um freguês da loja, velho solitário, me convidou para um show de blues na Lapa. Fazia tempo também que eu não ouvia música ao vivo. Aceitei.

Quando entrei na boate, reconheci a guitarra inesquecível. Coração falhou, andou pra trás, fiquei tonta, as pernas bambearam. Meu amigo notou, ficou preocupado, mas eu não via nada.

Só a figura no palco, a guitarra gemendo no meio dos velhos roqueiros. Procureri Marina, Mimi, me procurei. Ninguém estava lá. Apenas Billie e o passado em sangue e notas.

Sentei ainda trêmula, pedi um Martini e naveguei. Por muito tempo esqueci o presente e fui de novo Cigarette. Muito blues, muito nova, muito frágil, esfarrapada e delirante.

Quando o show acabou não quis ver Billie.

Voltei para a noite chuvosa da Lapa, pontilhada de luzes no chão enlameado. Voltei para anos de amargura, mil séculos de amor sangrento e mal passado.

Não precisava vê-lo. Billie nunca, jamais, de nenhuma maneira ou jeito, tinha saído de mim.