MARQUESA
Thaty Marcondes
 
 

Pelos corredores, a figura fora de época da mulher parece saída dos livros de história. Conhece sua biografia de cor. Sabe o nome de seu amado amante, de quem fora “teúda e manteúda”, ganhando, até, título de nobreza, em tempos idos de império em terras tupiniquins.

Pergunto por sua vida de antes. Antes de ser matéria didática nos currículos escolares oficiais e até nos oficiosos, mais picantes. Ela se perde, pois não se lembra do início de tudo. Perde-se da infância e da adolescência, dizendo que os vários traumas do amor sofrido a fizeram esquecer. Diz-se perseguida por inimigos ocultos e declarados. Sua esperança é um dia ver chegar um navio no cais do porto e seu amado estender-lhe a mão para ficar com ela, ou, opção ideal, levá-la consigo, para terras d’além mar.

Ao sair, após a visita, ouço passos em disparada, tentando me alcançar. Ela me entrega um bilhete, pedindo que eu o envie à sua majestade, seu real amante, pra que ele venha, enfim, libertá-la da clausura desta prisão de sofrimento, dor e saudade. As lágrimas brotam de seus olhos e eu chego a sentir pena dessa alma desgarrada de seu corpo, de sua época, perdida em sonhos de um amor que nunca teve e que nunca terá.

Ela enxuga o rosto em seu lencinho de cambraia, bordado com suas iniciais, recobra a altivez, a arrogância, até, eu diria, me dá as costas e caminha qual gazela seguida por dois enfermeiros.

É hora do remédio que a fará dormir, ou, quem sabe, subir, enfim, no navio que a levará ao encontro do seu amado.